terça-feira, 23 de dezembro de 2008

O sol da Tunísia

Nesse dia nos levantamos às quatro da manhã. A jornada começava rumo ao deserto. Um café da manhã reforçado e estrada. Ainda sonolenta, botei meus fones e curti o contraste música brasileira-paisagens desérticas.

O balanço do carro era quase propício ao sono, mas a beleza e o ar frio da madrugada me mantinham acordada.

Rapidamente, como é próprio dos amanheceres, o céu ia mudando de cor. Vários tons de azul iam enchendo a minha janelinha. E eu ia deixando pra trás, junto com pensamentos já esquecidos, os pequenos vilarejos e cidades, as fogueiras diante das casas, a melancolia das primeiras horas do dia.

Com uma rapidez e suavidade quase imperceptíveis, eis que nasce, diante desses olhos que a terra há de comer, o sol. Esplendoroso. Amarelo. Laranja. Gigante.

Nunca havia visto nada igual.

Não é à toa que lhe chamam Astro-Rei.

E foi através do cristal da minha pequena janelinha que fiz essa foto – que não lhe faz justiça, diga-se de passagem.


Mas, tudo bem. A viagem seguiu. E, junto com ela, as boas surpresas.

No dia seguinte, o mesmo ritual. Madrugar. Café. E estrada.

E foi então que o danado resolveu nascer entre as dunas do Saara.

Apesar do vento frio e cortante que dificultava a respiração, eu sorria.

E as lágrimas não eram de tristeza.

Eram de alegria.

O portão do Estado



O que será que tem do outro lado desse portão misterioso?

Algum palpite?

Um árabe-francês


Era uma vez um árabe-francês.

Ou seria um franco-árabe?

Não sei. Mas isso não importa.

Era uma vez... um senhor lindo e forte. Ele se parecia muito com o Alberto do filme Cinema Paradiso, sabe?

Eu, perto dele, me sentia como Totó (Salvatore), pequenina. Olhava pra ele com esse olhar de admiração e encanto que as crianças costumam ter.

Que doçura...

Era como se o conhecesse desde sempre.

Mas, diferente de Alberto, não era projetista de cinema. Era fazedor de sapatos. E vendedor.

Diferenciava-se dos outros vendedores pela serenidade. Enquanto os outros gritavam e insistiam, ele deixava escolher, olhar, tocar...

Vez ou outra contava alguma pequena história de seus tempos na Europa. Podia-se sentir o saudosismo na sua voz. Mas não era tristeza. Ele estava contente.

Ali era o seu lugar. Ele pertencia àquela gente, àquela terra.

Era feliz entre os sapatos e o cheiro do couro.

Seu nome para mim não importa mais.

Me lembro dele como o encantador...

sábado, 20 de dezembro de 2008

Saara




No meio do deserto do Saara, montada em um dromedário, vendo o sol baixar e o vento frio soprar mais e mais forte.

No meio do nada.

Num povoado pequenino em algum lugar na Tunísia.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Uma beleza que aconteceu

Era meio assim, meio sem jeito, meio tímida...

Sempre fora assim. Ninguém imaginaria uma mudança tal qual foi.

Era típica. Era necessária. Os outros tinham que ter de quem zoar.

Necessitavam um alvo. E ela era perfeita.

Perfeita para rir.

Era sem sal.

Era quase feia.

Mas o tempo passa. E o jogo vira.

O tempo havia passado.

E ela havia... sei lá. Algo aconteceu...

Estava linda, belíssima.

Parecia que aquele tempo, tão duro para alguns, lhe havia feito bem.

Estava grande.

Os ombros, que viviam pra trás, estavam erguidos. De repente.

Os olhos, antes cabisbaixos, olhavam firme.

Havia abandonado aquele velho blusão de lã. Agora levava uma fina blusinha, dessas que parecem transparentes, de tão finas.

Preto nos olhos e um sorriso, agora sem aparelho, precioso.

Era outra.

O tempo havia passado.

As coisas mudam.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Ser leve


Havia decidido ser leve. Para ser bom, tinha que ser leve.

Pouco a pouco foi se desfazendo de tudo aquilo que pesava.

Deixou pra trás muitos quilos de lembranças.

Parou de comer. Parou de beber. Parou de falar, de ouvir, de pensar.

Foi ficando leve, levinho...

E seco.

Foi desidratando, tornando-se mirrado.

Quando se deu conta, havia transformado-se em uma enorme folha de papel colorida.

Entendeu.

Dobrou-se.

Fez, de si mesmo, um balão.

Subiu... voou... foi... leve.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Numa piscina de bolinhas


Ultimamente me sinto como numa piscina de bolinhas coloridas.

Tudo ao meu redor é oco, sem recheio, sem massa.

Estou mergulhada numa multidão de vazios.

Os movimentos são limitados. Ainda que existam.

É como uma brincadeira.

Efêmera, passageira.

A variedade de cores encanta os olhos.

E, pra quem vê de fora, é ainda mais bonito.

Pra quem está dentro é divertido, mas cansa.

E você afunda, afunda...

Mas não tem problema.

A qualquer momento, você pode cair fora.

Sair dela dá um pouco de trabalho.

Você tem que apartar uns bons punhados de bolinhas vazias.

E, enquanto você aparta algumas, outras vêm pra cima, dificultando a saída.

Elas dificultam. Mas não impedem.

Qualquer um consegue sair de uma piscina de bolinhas.

Ainda que precise de uma mãozinha...

E, uma vez fora, você se dá conta de que era divertido. Mas não era tudo.

Talvez seja a hora de experimentar algo mais emocionante...

Acho que vou entrar nessa montanha-russa...


O gostoso disso tudo...

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Sudaca

Uma das primeiras palavras que aprendi quando cheguei a Madri. Sudaca. Nunca nenhum professor de espanhol me havia mencionado. O porquê está claro: é uma ofensa, uma agressão, um xingamento.

A primeira vez que ouvi, não entendi o significado. Mas não demorei pra captar a mensagem. A minha primeira impressão foi que se tratava de uma espécie de gíria usada para referir-se aos sul-americanos e ponto. Mas não. Na verdade, se trata de uma ofensa xenófoba.

Como é sabido, a Espanha, nos últimos anos, vem recebendo milhares e milhares de imigrantes, em sua maioria sul-americanos e chineses. Ok. Até aqui, tudo bem. Nenhuma novidade. O fato é que muitos espanhóis – de todas as idades, classes sociais e posicionamentos políticos – se incomodam, e muito, com o fato.

É, realmente, o ser humano tem a memória curta. Nem é preciso ir muito atrás na história. Para onde iam os espanhóis fugidos da Guerra Civil espanhola? E da ditadura franquista? Claro que podemos voltar atrás quinhentos anos... mas essa história a gente já conhece. E é longa.

Bom, voltando à palavrinha mágica. Sudaca é a maneira pejorativa que se utiliza por aqui para ofender, agredir e discriminar. Sinceramente, xingamentos há em todas as partes e em todas as línguas. Não quero fazer disso um discurso. A palavra é só uma desculpa para tocar no tema do preconceito, da xenofobia.

A discriminação é igual e todas as partes. Os motivos são sempre os mesmos: os traços físicos, a cor da pele, dos cabelos, o sotaque, o modo de vestir... O que está por fora, sempre. O de dentro pouco importa.

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Ok, você venceu.




Saudades que não estão cabendo mais em mim.

Saudade do calorzinho

da minha terra

da minha gente

da minha casa

do que é meu.

Saudade do que era meu

do que ainda é

do que sempre será.


Saudade de dizer eu te amo

de dizer... "ai, que saudade".

Saudade de poder sentir saudade

em paz

em silêncio

Ok, saudade, você venceu.

Quero uma porção de batatas fritas.

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

A história da cafeteira

Antes de contar essa história, eu gostaria de apresentar-lhes a minha cafeteirinha.




Ela é composta por:

1 – partezinha de baixo

2 – lugarzinho onde se põe o café

3 – borrachinha imprescindível

4 – “filtrinho”

5 – partezinha de cima

Ok. Ela é igual a qualquer outra. Então, seguimos adiante...

Era uma bela manhã de março. Eu havia chegado da academia e estava literalmente desmaiando de fome. Resolvi comer antes de tomar banho, assim dava tempo pro corpo esfriar.

Comecei o processo diário de desjejum. Liga a torradeira, bota o pão, separa o queijo e o presunto, serve um copo de suco, toma o remédio da tireóide e... prepara o café.

Não sei se foi o frio tremendo que sentia – ainda era inverno – ou se a fome brutal, mas o fato é que, durante o complicadíssimo processo de montagem do meu aparato fazedor de café, esqueci uma pequena pecinha no escorredor de pratos: a número 4.

Nunca menosprezem as pequenas peças! Elas podem ser fundamentais.

Não sei se já ocorreu com algum de vocês... mas, eu digo, não foi divertido.

Bom, passados uns minutos, a cafeteira já estava no fogo, o misto-quente quase pronto e o suco pela metade, quando... pfffffffffffffff chuáááááááááá. Não sei se a onomatopéia descreve bem, mas foi uma explosão.

A tampinha se levantou e o café saltou como um jorro de petróleo salta de um poço recém descoberto. Foi de cinema. Eu, naturalmente, soltei um daqueles gritos de filme de terror, bem agudos e longos. Quase tive um troço. Havia café por tudo e, diga-se de passagem, passei meses encontrando grãozinhos de café esquecidos.

Eu juro que naqueles instantes posteriores ao susto agradeci por viver sozinha. Não seria bacana que me vissem naquele estado lamentável. Encharcada de café até os cabelos, com os olhos cheios de lágrimas (sim, o susto foi grande!) e aquele líquido negro que parecia brotar da janela, do teto, das paredes.

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Aquela cigana...


Não era um dia especial de maneira nenhuma. Ela chegou em casa de noite e se viu sozinha. Não tinha sono. Resolveu que queria tomar algo. Abriu uma garrafa de vinho do porto. Estranho... nunca bebia vinho do porto. Ou melhor, quase nunca.

Ligou o som do quarto e se sentou no chão, no carpete azul. Estava feliz por estar sozinha. Curtia essa sensação ainda meio infantil de liberdade, de domínio de seu próprio nariz. Era como se ausência de seus pais lhe permitisse tudo. Na verdade, não faria nada proibido. Seguiria ali sentada, ouvindo música e se deixando arrepiar pela poesia e pela dor daquelas canções.

Estava emocionada, se sentia já mulher. Sabia que em breve estaria muito longe dali, experimentando outras coisas. O que não conhecia ainda era o real significado da palavra “solidão”, essa ainda não fazia parte de seu dicionário. Mas estava feliz. O ar às vezes, lhe faltava, como costuma ocorrer quando a ansiedade e a expectativa nos consomem. Passou muito tempo ali sentada, pensando, imaginando o que estaria por vir, sem a menor idéia do que lhe aguardava realmente.

De repente, entre um cigarro e outro, se levantou e olhou-se no espelho. Mas não se reconhecia. Seu rosto estava estranho, diferente. Aquela postura não era a sua. Aquele olhar, aquelas mãos segurando o cigarro. Não era ela.

Fechou os olhos, assustada. Tornou a abri-los, mas aquela imagem seguia refletida no espelho. Resolveu encará-la.

Pouco a pouco, contagiada pela música e sem oferecer resistência, começou a dançar devagarinho. E, sem perceber, aquela dança foi se tornando mais e mais intensa. Rendeu-se.

Dançou, fumou, bebeu e, pela primeira vez, deu ouvidos àquela cigana linda, feminina, forte e imponente, que levava dentro de si.

Magia


Magia não é coisa de bruxos, de magos, de feiticeiros ou nada parecido. Fazer magia não consiste em transmutar elementos, em transformar o chumbo em ouro. Isso é só uma metáfora que encanta alguns e que a afasta da vida cotidiana.

Como diria um velho bruxo amigo meu, magia é mudar as ordens sem causar desordens.

Magia é escrever uma carta, acender uma vela, piscar um olho, olhar pra dentro, dar calor, cantar, suar, falar, lembrar. É música, é beleza, é amor.

A magia é tudo isso que a gente lança pra fora. Todo mundo faz magia, mesmo os que não são conscientes de tal feito. A diferença está na intenção. Os tolos, anônimos, lançam faíscas sem dar-se conta que de tudo o que vai, volta. Os bons, lançam flores e poesia, cientes de seu retorno.

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Um desses apanhadores em campos de centeio




É foda. Eu odeio esse colégio e todos esses falsos. Não sei porque eles têm essa mania de andar em grupos. O grupo dos metidos à atleta, o dos galãs, o dos nerds, o dos roqueiros... Aff, não suporto.

O Oliveira, por exemplo, não lava os dentes. Eu não respeito uma pessoa que não lave os dentes. Não que desrespeite ele, eu até falo com ele, mas é que é foda. O cara não lava os dentes. Cara, eu não suporto isso. E vocês tinham que ver o dia que Pimentel falou na cara dele que ele era um porco. Ele ficou tão puto! E disse que era mentira, mas não é. Em um ano, nunca vi ele lavar os dentes. E se nota, porque tem a boca nojentona, com umas placas de comida velha entre os dentes.

Outro dia a gente tava na cantina e eu tive que mudar de mesa. Cara, não consigo comer perto dele. Ele come e fala e você pode ver a comida saindo pelos cantos da boca. Eu nunca na minha vida vi alguém comer tão feio. Aposto que vocês nunca viram alguém comer tão feio também.

Bom, mas eu tava falando que odeio esse colégio. Na verdade, acho que odeio todos os colégios. É sempre igual. Só muda mesmo o uniforme. É foda. Aonde você vai ta cheio de falsos. Eu quero mesmo é ir embora. Vou pra uma praia deserta e vivo por lá, pra sempre. Aí, se meus pais quiserem me visitar, eu deixo, mas com uma condição: na minha casa não aceito falsidades. E eu mando embora se alguém vier pra cima de mim com falsidade ou coisa que o valha.

Cara, vai ser massa, porque aí eu vou construir uma jangada e vou pescar. E vou viver numa cabana dessas de palha. Outra dia contei pra Sofia, minha irmãzinha, que estava de partida e ela começou a chorar e dizer que vinha comigo. Cara, foi foda. Eu expliquei que era algo que tinha que fazer sozinho, mas que ela podia me visitar. Vocês não imaginam! Ela ficou chateadíssima comigo, me virou as costas e passou quase duas horas sem falar comigo. Cara, ela me deixa boquiaberto. As crianças às vezes são tão impertinentes.

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Não é só no Brasil...




Não é só no Brasil que jovens são assassinados em porta de boate. Nem é só no Brasil que gente sem escrúpulos toca fogo em pessoas indefesas.

Esse fim de semana três seguranças de uma boate em zona rica de Madri mataram a pancadas um jovem de 18 anos.

Há aproximadamente um mês houve o julgamento dos três jovens (um deles menor de idade) que atearam fogo a uma indigente que dormia num caixa automático em Barcelona. Eles disseram que só queriam se divertir, não achavam que iam matá-la...

Acho que já ouvi essa ladainha antes.

Não quero justificar – de maneira nenhuma – as atrocidades que acontecem diariamente no Brasil. Até porque gente desequilibrada, violenta e cruel, não escolhe lugar pra nascer. O que talvez nos diferencie da Espanha, para dar o exemplo que conheço, seja a ineficiência de nosso sistema penal.

Me lembro que em 2006 houve uma polêmica em Brasília... Era porque os assassinos de Galdino, que dormiam na prisão mas podiam sair durante o dia, passavam as tardes passeando de carro e tomando cervejinha com os amigos.

Por aqui a coisa funciona diferente. Os incendiários (maiores de idade) foram condenados a dezessete anos de prisão, enquanto o menor foi condenado a oito anos em instituição penitenciária (pena máxima para menores de idade). Além disso, tiveram que pagar uma indenização de 46 mil euros à família da vítima e 26 mil euros ao banco La Caixa pelos danos do “incêndio”.

Seguramente não poderão sair de tarde pra tomar umas “cañas” y “tapas” com seus amigos...

domingo, 16 de novembro de 2008

Pequeno Tratado sobre a Dúvida


Será?

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Drogas...



Lonicera Caprifolium


A minha é essa!

Porque é flor.

A resposta está na natureza. Feche os olhos e tente ouvir.

Ese, sí, es pá ti.


DO AMOROSO ESQUECIMENTO

Eu agora - que desfecho!
Já nem penso mais em ti...
Mas será que nunca deixo
De lembrar que te esqueci?

Mário Quintana

domingo, 9 de novembro de 2008

Manter intactas as canelas dos outros



Tem muita gente que fala do “Jogo da Vida”. Eu não sou uma delas. Mas, pensando bem... sim, se pode encarar a vida como um jogo. Você tem que vencer obstáculos, fazer apostas, arriscar, saber perder, saber jogar...

Isso me lembra uma canção chamada Fallaste Corazón, um clássico. A versão que escuto é de Amélia Rodrigues. “A vida é a roleta em que apostamos tudo”.

Eu, sim.

Somos bilhões tentando sobreviver. E cada um tem seu objetivo a alcançar. Uns querem dinheiro, outros querem amor. Ter, ser, poder, vencer, querer, comer, morrer. Várias metas distintas.

Como em qualquer jogo, nem todos ganham. Mas todos tentam. Ou melhor, quase todos. Sempre tem uns que se rendem antes do fim.

“Café com leite”.

Tem gente que joga pra ganhar. Tem os que vão distraídos, sem muito entusiasmo, olhando atônitos e perdidos pro tabuleiro... sem saber o que fazer.

O problema é que as regras não foram pré-definidas. Elas são inventadas e alteradas ao longo da partida. E sempre há controvérsias.

Tem gente que joga sujo. Desses, eu não gosto. Os que blefam, os que roubam, os que tentam te passar pra trás.

Afinal, é só um jogo...

Porque tem gente que leva tudo tão a sério?

Eu acho que, na vida, o principal objetivo deveria ser: Manter intactas as canelas dos outros.

E esse é o esquema: cada um com sua concepção de jogo, com seus dados, com as suas fichinhas, com o seu tabuleiro, roleta, peões, cores, pontos, vitórias, empates e derrotas. Mas respeitando sempre as canelas alheias.

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Pra Juja!



Saudades de você!

Sul Realismo



Era uma mão de quatro dedos. Nada mais. Era uma mão sem polegar. Sem braço, sem dono. Ela era um monstro. Vinha de madrugada, subia pelo pé da cama e torturava as crianças.

Fazia um calor tão grande, tão úmido. As pessoas fritavam seus ovos na calçada. E todos comiam na rua. Aí mesmo. E tomavam um caldo verde escuro, amargo. E suavam.

O fusca falava.

A cidade cheirava a lenha. Olha a banana, a melancia, o melão e a uva.

Havia um círculo negro no chão do chuveiro. E dava choques. E goiabada predileta.

Morava lá um anjo que falava seu próprio idioma.

E caçavam abelhas em potes de maionese. Alguns amores perdidos.

Duas iguais. Listras de cores diferentes. Os olhos. Um arroio. Galochas de plástico para cruzar, diziam.

Armazéns antigos com gosto de mel. Vinham umas dez no saquinho.

Lagoa de areia grossa. Pintados assados de noite. Centos de pelúcias. Bóia e varanda pra saltar.

Uma casinha de madeira empoeirada com um chorão plantado na frente.

Esquentavam a bunda no fogo. Desfile de carnaval. Frio na barriga. Mãe.

Os meninos já eram meninos. Outras relações. Um chalé onde viviam baratas que eram do tamanho de pessoas. Gatinhos eram afogados no tanque. Plantações de morango.

Um trem invisível que passava de tarde, longe. Num porão assombrado.

Se amontoavam uns em cima dos outros pra dormir. A janelinha dava pro pátio. E um perfume numa caixinha verde debaixo do espelho.

Sonhos na frente da televisão. E bingo no colo.

Infinitamente maior.

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Rascunho...



Ser brasileira.

Acho fantástico o fato de que, por ser brasileira, levo comigo muita informação. Interessante como a nossa cultura, o nosso país de origem, influem nas relações sociais. O meu sotaque, a minha cara, a minha cor, o meu “padrão social” (para não falar em classes), tudo isso é processado de maneira rápida e objetiva pelos "outros".

É claro que a recíproca é verdadeira. Mas eu, como brazuca, só posso falar do lado de cá.

Carregamos um estigma (e isso não é necessariamente ruim). Antes de nós mesmos, já existia a Bossa Nova, o carnaval, as praias, o “tropical”, as mulatas, a mistura. Tudo isso e algo mais (impressões pessoais) são pré-requisito na hora da análise inicial.

E o mais interessante é que cada um vem com a sua bagagem. Aparece de tudo: Carmen Miranda, Pelé, Xuxa, Ayrton Senna, Niemeyer, Vinicius, Daniela Mercury... Cidade de Deus, Salvador da Bahia, Ronaldinho, samba, Amazônia, calor, feijoada... e caipirinha, é claro.

E aí eu tento explicar que somos gigantescos e que isso é só um pedacinho de tudo aquilo que é o Brasil.

Mas é difícil.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Velho Bucáusque


Ele se chamava Bucáusque, ou pelo menos era assim conhecido por todos. Vivia no subúrbio do Rio. Freqüentava os sambas de roda, os prostíbulos, os botecos, as delegacias de polícia, as rinhas de galo, o Maracanã.

Era flamengo e gostava de ouvir a Elza Soares cantar. Dizia que era a Ella Fitzgerald brasileira.

Tinha um temperamento bastante estável – estava sempre de mau humor. Gostava de debochar do romantismo e se dizia totalmente cético em relação ao amor ao próximo.

Normalmente tomava porres fenomenais e ia acompanhado para a casa. Seu jeito cafajeste e estúpido atraía as mulheres. Raramente tinha que pagar para dormir acompanhado. Elas se divertiam com seu humor cínico e rabugento. E se iludiam com a possibilidade de virar musa de algum poema. Em vão, sempre.

No dia seguinte, como de costume, se levantava e abria uma cerveja. Não era nada atencioso. As tratava mal para que fossem embora logo. Ficava puto consigo mesmo pelo fato de haver uma mulher na sua cama. Em geral, não se lembrava do que havia acontecido na noite anterior. Se ao menos se lembrasse...

Assim seguia. As despachava sem grandes rodeios e se sentava em frente à sua antiga máquina de escrever. Era o seu maior bem, depois da geladeira, é claro.

Não tinha muito, não precisava de muito. Bastavam alguns pacotes de miojo no armário e algumas garrafas de bebidas variadas. Gostava de seu estilo de vida e se auto-descrevia como um pessoa simples e despretensiosa.

Era poeta. Não era uma pessoa preocupada com os problemas sociais nem com a solidariedade entre os homens. Estava mais ocupado em se manter sob o efeito do álcool e comer algo, vez ou outra – para poder seguir bebendo.

Fazia pequenos bicos e publicava poemas num jornaleco da região. Mas sua principal fonte de renda eram as apostas. Apostava sempre e, pra falar a verdade, tinha um bom faro.

Sempre comparava as rinhas de galo ao futebol. Acreditava que esses eram os dois maiores espetáculos que o homem havia inventado. E que, observando de perto, eram a metáfora perfeita do ser humano moderno.

Tudo não passava de uma luta tola e vã por sobreviver e ser melhor que os outros.

Dizia que a vida lhe havia ensinado que o amor, como qualquer outro sentimento, é passageiro e tem prazo de validade. Mas reconhecia que se tornava profundamente incoerente quando apaixonado. Era capaz até de ver beleza onde não havia.

Sua poesia servia como cano de descarga. Era uma maneira de expressar todo seu rancor e sua descrença em relação à “magia” da vida. Sempre acreditou que, apesar de termos polegar opositor, não passamos de animais selvagens num mundo idiotizado pela televisão. Batalhando por sucessos e reconhecimentos sem valor.

Sempre preferiu os maus aos bons. O errado. O sujo. A loucura. O equívoco. O feio.

sábado, 1 de novembro de 2008

Minha pequena

Minha pequena,

Quero que me contes tudo.

Me conta as tuas penas para que eu possa te consolar.

Consigo imaginar sua carinha rosa, seus olhinhos se fechando, as pequenas lágrimas escorrendo até os lábios. Nunca me esquecerei daquela noite: “Pai, são docinhas. Eu gosto de lágrimas”.

Minha pequena, enquanto eu viver, não estarás sozinha nesse mundo.

Você é tudo o que possuo de mais lindo e meigo. Não posso admitir que sofras. Se algum homem te magoar, volte pros braços do teu velho pai.

Quero poder estar ao teu lado sempre que essas gotinhas doces escorrerem pelo teu rosto.

E te consolar. Enquanto eu viver...

terça-feira, 28 de outubro de 2008

Choveu sempre.




Foi uma manhã estranha.

Dois dias antes, um domingo, havia feito sol, um dia quase de verão. Havia uma leve brisa outonal, suave e fresca.

Mas naquela manhã, se despertou com a chuva batendo forte na janela do quarto. Era um dia normal de trabalho, se levantava às seis e meia. Ainda era noite escura.

O sol não apareceria esse dia.

Ao sair de casa, aquela chuvinha fina e o vento cortante penetraram na sua alma. Na primeira esquina que dobrou, sabia que seu dia não seria um dos melhores.

Choveu incessantemente toda a manhã. E a tarde. E a noite.

Na medida em que o dia ia passando, a temperatura ia caindo. Baixou doze graus em relação ao dia anterior. Foi como se tivesse dormido em um lugar e se despertado em outro.

A cidade estava estranha e as pessoas estavam diferentes: mais cinzas, sem cor, de luto.

Sentiu raiva, medo, fome, frio, pressa, sono, calor, tesão, sede.

Viveu um dia largo. Um dia sem sol. Sem nuvens sequer. Era toda uma mancha cinza, escura. E água.

Chovia tanto, tanto, que seu guarda-chuva sucumbiu às quatro da tarde.

Às seis, o céu resolveu cair. Empapou-se dos pés a cabeça, mas seguiu. Ainda tinha muito dia pela frente.

Chegou em casa às onze. Com os pés enrugados, os dedos frios, o corpo cansado, as costas doendo...

Dormiu. Ao som da chuva batendo na janela.

Era como uma melodia contínua, eterna.

Era como se aquele dia não fosse acabar nunca.

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Quem quiser gostar...


Antes de postar o texto, eu gostaria de lembrar o significado da palavra "crônica".

crônica
crô.ni.ca
sf (gr khronikós, via lat) 1 Narração histórica, pela ordem do tempo em que se deram os fatos. 2 Seção ou artigo especiais sobre arte, literatura, assuntos científicos, esporte, notas sociais, humor etc., em jornal ou outro periódico, sempre do mesmo autor, geralmente refletindo suas idéias e tendências pessoais. 3 Biografia, geralmente escandalosa. 4 História da vida de um rei. sf pl Cada um dos dois livros do Antigo Testamento que narram os feitos das principais personagens bíblicas, especialmente os dos reis de Israel e Judá; Paralipômenos

Aí vai a crônica!

Quem quiser gostar...

Eu sou uma mulher que, aos olhos dos outros, aparento muito bem resolvida. Carrego comigo, de cabeça em pé, os meus noventa e oito quilos. Tudo bem, o joelho esquerdo está fodido, mas o direito segura a onda.

Mas o lance do joelho não é só o peso. É que eu sofri um acidente quando era pequena. Me atropelaram – uma amiga da minha mãe. Aí fiquei assim, meio coxa.

Lembro da minha mãe me proibindo a andar de bicicleta. Nunca andei. Não sei andar... E não vai ser agora, aos trinta, que vou aprender. Eu passo de andar de bicicleta. É patético.

Cara, acho que as pessoas se intimidam um pouco com a minha presença, sabe? Eu sou corpulenta, grande, tenho um cabelão blackpower... E, vamos combinar, sou bonita. Tenho o rosto muito bonito. Além do mais, sou simpática.

Bueno, sou simpática quando quero. Porque quando eu resolvo ser grossa... sai de baixo.

Mas em geral, sou tranqüila.

A minha mãe me banca com a grana que meu pai deixou de herança. E olha que o coroa deixou muita grana... Então vivo numa boa. Vou fazendo uns cursos e uns másteres por aí e mando as notas pra ela. Ela fica contente e solta a verba.

É que eu fui adotada, sabe? Aí eu acho que a minha mãe tem um sentimento meio distorcido por mim. Ela e o meu pai sempre me deram de tudo, numa vontade louca de suprir algo que não lhes correspondia. E sofreram. E não preencheram os espaços... E jamais preencherão.

Eu acho que ando com problemas com o álcool... Na verdade, isso eu não conto pra ninguém. Sempre me defendo dizendo que nem bebo tanto quanto neguinho imagina. Mas a verdade é que bebo mais do que eles imaginam.

Aí saio, me embriago, falo o que não acho, faço o que critico, penso e ajo como não devia, nem queria...

Faço minhas merdas por aí.

Depois fico mal pra cacete. Não consigo sair da cama no dia seguinte. Peço um tele-trash e me entupo de comida “basura”.

Me arrependo.

Ligo a televisão e boto nos Simpsons ou em Family Guy. Assim me sinto melhor. Não sou a única.

Eu me saboto. Tenho um poder de sabotagem impressionante. Saboto meus amigos!!!

Me convenço de que, na verdade, a vida é assim. E há que se desfrutar enquanto pode.

Eu sei que não tenho muito tempo. Mais dia ou menos dia, vou ter que me arranjar. Seja com um marido rico, seja de outra maneira... não importa.

Acho que a crise dos trinta chegou. Estou em um momento de auto-reflexão. Auto-conhecimento...

Auto-ajuda! É isso que eu preciso! Rárárá.

Quero mais é que a auto-ajuda se exploda. Que se danem. Eu sou assim... quem quiser gostar de mim, eu sou assim.

E olha, vou dizer uma coisa: Tem quem goste!

sábado, 18 de outubro de 2008

A censura não morreu



Esta semana a máscara caiu em Madri. A Espanha, um dos países representantes do top less no mundo, mostrou sua cara mais conservadora.

A poucos dias da estréia do filme “Diário de uma ninfômana”, dirigido por Christian Molina e baseado no livro homônimo da escritora francesa Valérie Tasso, o cartaz de divulgação foi censurado.

A Empresa Municipal de Transportes de Madri censurou a foto que deveria estar estampada nos ônibus e nos painéis das estações de metrô da capital espanhola.

O cartaz, agora exposto com uma tarja negra no meio, não deve chocar tanto os olhos castos dos conservadores e remanescentes franquistas.

No entanto, ao passar em frente às salas de cinema, alguns terão de fechar os olhos e virar a cara, pois aí os cartazes estão expostos tal e qual foram concebidos.

Sei lá, deve ter gente que se ofende com uma calcinha preta.

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Engraçado...




Engraçado como a minha relação com as coisas mudou. Com a distância (física, afetiva, geográfica...), com o espaço, com o dinheiro, com as pessoas, com as idéias.

Por exemplo, eu vivo numa não-casa. Ok, eu chamo de casa, mas não se poderia. São alguns poucos metros quadrados totalmente equipados para você brincar de casinha. Só que tem um detalhe. Estou no centro da cidade, com uma baita qualidade de vida.

Engraçado...

Hoje cheguei em “casa” e vim ler meus emails. Engraçado como em poucos minutos, eu estava totalmente envolta pela atmosfera de Brasília. Recebendo boas notícias, lembranças, sentindo saudades, escutando boa música.

Aí levanto os olhos e vejo as quatro mandarinas que ainda restam. Eram umas doze, mas estão tão docinhas... Tive que comê-las. As maças seguem sendo seis. Essas são pros santos. Ninguém toca. Até porque não há alguém. Aqui.

Fora de casa existem muitos alguéns, tem o chino da esquina, tem o francês louco, tem o dono do apê (que fala pra caralho), tem o Juan Pedro (que não consegue pronunciar o “v”), tem a Maria da Paz (titia), tem o Chico, o Caê, o Vinicius, a Bethânia, o cara que instala o elevador (e que não termina nunca), a tímida Raquel, o figura do Ignácio, o guapo do Gael, os garçons (sempre! Viva o Arleudo e o Cícero! ), o carinha do metrô...

Hum... Adoro o cheiro da mexerica! O cheiro que deixa nos dedos, embaixo das unhas. Adoro essas minúsculas gotículas que saltam delas quando estamos descascando. Adoro observar os poros da casca.

Ai, e são dessas pequenininhas, que tem no sul, com a casca bem fininha, que dá pra comer quatro!

E tem uma lâmpada queimada em cima da pia. E uma xícara de café sem café. E um flamenco tocando atrás.

E o peito sente. Algo.

E as Marietas vão por aí, perdidas. De propósito.

E a Cazarré segue por aqui. Comendo mexericas, com dor nas costas e com saudades de tudo aquilo que ainda não viveu.

terça-feira, 23 de setembro de 2008

Madrid e os madrileños

Dados demográficos, geográficos e populacionais

Clima:

No verão, faz calor. No outono, as flores caem. No inverno, faz frio. Na primavera, as flores nascem e o ar primaveril contamina os corações.

Geografia:

Cidade bombardeada durante a Guerra Civil, portanto, apesar de muitos prédios antigos, predominam as construções recentes. Aliás, a cidade vive em obras. Algumas avenidas largas, mas o encanto está nas pequenas ruas.

População:

Alguns poucos milhares de espanhóis e muitos milhares de equatorianos, brasileiros, chineses, colombianos, bolivianos, peruanos, chilenos e afins.

Vida noturna:

Se caracteriza por pequenos bares com muita fumaça e muito barulho. Em geral, fedem a cerveja e jamón. Servem porções de azeitona, batata, pão, queijo, embutidos e um pouco mais. Ah, cerveja e vinho também.

Flamenco:

Ritmo (música e dança) trazido pelos ciganos que, apesar de espanhóis, não são reconhecidos como tais.

Ciganos:

Povo sem origem definida. São reconhecidos pelos longos cabelos negros e sedosos, correntes de ouro, dentes de ouro e fivelas de ouro. São barulhentos, podem te assaltar e cantam ou dançam flamenco.

Madrileños:

Povo simpático ou não. Em geral bebem e fumam muito, além de falar muitos palavrões. São exagerados e, nesse aspecto, se assemelham aos paulistas. “Madrid é a melhor cidade da España, aqui se come o melhor jamón, a melhor caña, o melhor vinho, as melhores azeitonas...” Ah, e se identificam pelos bairros de origem. Igual à Sampa!

Gastronomia:

Tortilla de batata, vulgo omelete. Pão, azeitona e vinho ou cerveja (depende da estação do ano). Comem também calamares, boquerones, pulpos, paella, cocido e mais pão.


Hábitos:

Estão habituados ao top less, à tortilla, à siesta, ao flamenco e ao álcool.

Outra vez... a mesma lenga-lenga...



Tô aqui tentando e escrever e etc, etc, etc. blá-blá-blá.

Ninguém agüenta mais o mesmo discurso esfarrapado de que a inspiração não vem.

Como diria OldCaza, o lance é cu na cadeira. Sem cotovelos na mesa e rabo na cadeira, não rola. Ou você acha que é assim: “Caramba, comecei a escrever e foi como uma avalanche... não conseguia parar... a história ia saltando de meus dedos e colorindo as folhas de papel...”

Isso não rola. Ou melhor, pode até rolar, mas aí é sorte. E um raio não cai duas vezes no mesmo lugar.

É melhor não ficar esperando e botar a cabeça pra funcionar. Pensar, pensar, escrever, apagar, escrever, apagar...

Um dia rola. Certamente sairá algo mais interessante que isso, por exemplo.

Eu seguirei tentando.

Oh, vida cruel!

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Um caminho


Para aquela garota, de alguma forma, aquele era um momento de ruptura, de cambio. Só que era um momento diferente... Não era um momento, momento. Era uma sucessão de curtos e longos momentos que não acabava.

Era como se aquele ano passasse em etapas, em que os objetivos iam mudando a cada obstáculo vencido. Era como se o “destino” estivesse provando suas possibilidades... Como uma criança que experimenta até onde pode chegar.

Era uma avalanche de acontecimentos que iam empilhando-se uns aos outros e criando sempre uma nova realidade, um novo momento.

“Não sei onde eu tô indo, mas sei que eu tô no meu caminho.” Raul.

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Brasília*


Brasília,

cidade querida!

Você não me convence com suas ruas retas e paralelas.

Você me encanta com seu jeito torto, cheio de gente louca.

Tem quem diga: em Brasília, pra onde você olhe, tudo é igual.

Mentira!

Só quem realmente conhece essa utopia sabe que aqui nada é igual.

Tudo é bem único. E nós nos apaixonamos por cada detalhe, cada sutileza, cada árvore, cada esquina.

Adoro você! Mas, como em qualquer história de amor que se preze, deve haver um momento de ruptura. Para que depois o reencontro seja mais gostoso. Para que matar a saudade seja inesquecível.

* esse texto escrevi antes de vir, em novembro de 2007.

terça-feira, 9 de setembro de 2008

Uma cidade que desaba



Madrid, essa cidade que há poucos meses parecia inatingível e que agora é um pouco minha, desaba.

Desaba água, granizo, trovões e raios. Desaba como se fosse uma mulher, forte e poderosa, que, em um determinado momento, não contém as lágrimas.

Digo que parece uma mulher porque vejo muito de feminino nela. E porque não posso deixar de relacioná-la com Brasília, outro mulherão. Desses que deixam os homens (e agora me refiro à raça humana) sem ar, secos, desidratados, boquiabertos.

São duas grandes cidades, como têm que ser, no feminino. São duas potencias de qualquer coisa. E não me refiro ao caráter político, que é masculino; me refiro à natureza, à beleza, que são femininas.

Às vezes eu paro pra pensar no significado das cidades... até porque elas são tantas e tão variadas... e, de alguma maneira, moldam quem vive nelas.

Sempre falamos de Brasília, tão geométrica, tão sem esquinas, tão plana e alta... Certamente, e muita gente corrobora com essa hipótese, ela influencia a vida de quem nela vive. Assim como todas as outras cidades.

Cada vez mais eu compreendo essa necessidade que o ser humano tem de se localizar no espaço.

“E você, da onde é?”

Sempre estamos querendo saber a que universo os outros pertencem, assim podemos entender-los melhor. Por exemplo, faz toda a diferença ser de Brasília ou do Rio, que, apesar de maravilhosa, é uma cidade no masculino. Assim como faz toda diferença ser de Nova Iorque ou de Tóquio.

É... nós somos mesmo um pequeno quebra-cabeças, onde cada pecinha faz a diferença.

Eu sou de Brasília. Para sempre. Mas levo comigo um pedaço gaúcho. E, mais recentemente, um “trozo madrileño”, com certeza.

Hasta porque, el bailao nadie me lo quita.

sobre a brevidade das coisas



Eu estive sentada nessa mureta, provavelmente, uns trinta segundos... Suficiente tempo para que Anita tirasse a foto e seguíssemos caminhando por Paris.

O fundo tampouco era muito espetacular e encantador... mas, paramos aí, vai saber deus porquê, e batemos fotos, uma da outra.

Pois é, aquele momento passou. Mas a foto ficou.

Assim é a vida.

Esse momento, especificamente, não vai deixar marcas profundas em nossas vidas. Nem na minha, nem na da Tita, embora eu esteja segura de que a viagem, como um todo, tenha sido inesquecível.

Outras lembranças falarão mais alto na hora em que nos sentarmos, seja com a Ju, seja com a Cadija, seja com nossos pais, seja com quem for, pra contar as tantas histórias. Mas esse momento, inexplicavelmente, ficará registrado enquanto essa foto existir.

Assim é a vida.

Existem momentos aparentemente tolos, que, sem que percebamos, nos marcam a vida pra sempre. E não me refiro especificamente a nada.

Me refiro justamente a essa coleção de não-momentos que, de uma maneira ou de outra, fizeram parte de nossas vidas. Lembremo-nos, ou não, deles.

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Os intervalos da vida


Meu velho amigo Raul sempre diz que, na vida, vez por outra, temos que aportar em um cais. Eu ainda não escolhi o meu. Enquanto isso, vou fazendo pequenas paradas, conhecendo lugares, pessoas, músicas, línguas, comidas.

Esses pequenos intervalos da vida, que não correspondem ao cotidiano em absoluto, é que me ajudam a refletir e me inundam a cabeça de idéias.

Passar uma tarde inteira ouvindo música, sentada diante do mar, com um copo de vinho branco e uma carteira de cigarros... Isso para muitos seria perda de tempo. Para mim é viver.

Gosto desses momentos porque me ajudam a lembrar das coisas que realmente me importam. Não quero parecer uma “riponga” com discursos vazios de paz e amor. Mas também não quero tornar-me amarga. Não quero perder o sorriso nem deixar de brincar.

Quero poder vestir meus óculos Ray-Ban e ver tudo mais bonito.

Paris é igual à Pelotas

Prédios antigos, ruas de paralelepípedo, clima úmido, friozinho, chafarizes, pracinhas... o cheiro, o jeito, as cores, as árvores, a noite... Paris é igual à Pelotas.

Duas cidades lindas, tão parecidas mas tão diferentes...

Durante toda a minha estada na França, Pelotas sempre me vinha à cabeça. A atmosfera e o ar que respirei lá, só havia experimentado antes em terras gaúchas.

Fiquei hospedada, primeiro, num pequeno e charmoso apartamento nos arredores da Cidade Luz, perto de Versalles. Logo em seguida, fomos para Vilerville, uma pequena cidade com jeito de interior. Silêncio, velhos, mar, vento, frio, paz. E muito dinheiro. É uma cidadezinha bastante rica, caracterizada por seus cassinos enormes e seu porto, recheado de centenas de barcos de todos os tamanhos e modelos.

Tudo bem, não dá pra comparar com o Laranjal se nos fixamos no aspecto econômico da coisa. Mas se o enfoque for a sensação que esse tipo de lugar proporciona, aí sim, posso dizer que me senti na beira da Lagoa dos Patos.

Em Vilervile, a maré sobe e baixa muito velozmente. É tão rápido que, se você se distrai, perde o fenômeno. As águas, que antes chegavam bem pertinho da casa, em poucos minutos estão a uns trezentos metros de distância.

E isso me fez lembrar aquela antiga história da criança desaparecida no Laranjal. Naquele dia que, milagrosamente, as águas recuaram e devolveram aquele pequeno corpo inerte e sem vida. Foi como se Iemanjá tivesse escutado as preces de todos e resolvido dar fim à angústia que maltratava aquela gente.
Eles, enfim, poderiam enterrar o ente querido e chorar. Sofrer em paz.

O mar nos traz surpresas.

Da mesma forma que nos presenteia com peixes, algas, cores, vida, alegria e frescor; nos leva, vez por outra, relógios, anéis, colares, pulseiras, amigos.

Saudade de jogar flores pro mar...


terça-feira, 22 de julho de 2008

Pela Janela - em Marrocos




A Janela

De Ju Cazarré

...

Palavra no feminino, como as fendas,
Que se realizam quando se abrem,
E nada são quando se fecham.

Palavra também no felino,
Como as felinas pupilas do gato:
Quanto menos luz, mais abertas.

Pedaço de mim




Quem poderia imaginar... que depois de tanto tempo e tanta água rolada voltaríamos a estar juntas, do outro lado do mundo, com outras perspectivas de vida e outros planos...

Dessa vez menos meninas, mais mulheres. Mas a essência sigue a mesma.

Depois de tanta saudade, um reencontro esperado e uma viagem que promete.

Ju, Tita, meus amores, estou esperando vocês, com as portas abertas e o coração batendo forte. Vocês nem imaginam a minha alegria em poder compartilhar um pouco dessa minha nova vida com vocês.

Adoro essas fotos. Era o início de uma amizade linda e positiva, em todos os aspectos que se pode imaginar.

Amo muito vocês.

segunda-feira, 14 de julho de 2008

Amanhã vai ser outro dia


Apesar de você, apesar desse dia, apesar dessa gente, apesar de chover, apesar de cair, apesar de que, apesar dessa coisa, dessa moça, dessa fossa, desse samba, desse amor, dessa casa, desse cara, desse frio, dessa música, desse cheiro, dessa grama, desse cachorro, desse mendigo, desse garçon, desse jeito...

Só vou pra casa quando o dia clarear.

domingo, 13 de julho de 2008

El Antojo


Todos los días me despierto mojada. No sé porque. Hay algo en el acto de despertar que me estimula, que me excita.

Hay personas que se despiertan y lo primero que hacen es ir al baño y mear... yo no. No me levanto mientras no haya... mientras no esté satisfecha... si es que me comprendes.

Es esa especie de desayuno solitario, en el que sacio mi hambre de placeres carnales – sola, conmigo mismo – que me ayuda a empezar el día.

Luego, me ducho meticulosamente, lavando cada parte de mi cuerpo como si fuera un nene, alguien que necesitara cuidados.

Salgo del baño y me seco. Pero no mucho. Me gusta la sensación de seguir mojada, las gotas escurriendo por mi espalda, despacito. Las gotas que se caen del pelo por el cuello y que se bajan lentamente por mi cuerpo. Me encanta esa sensación maravillosa de cosquillas. Me acuerdo de las lágrimas que saltan de mis ojos cuando estoy triste, pero me gusta. Es bueno.

Enseguida desayuno tostas con miel y mantequilla. Y café. Me preparo una taza de café en mi cafetera de una taza. Me fumo el primer cigarro del día.

Hay personas que dicen que el primer es el mejor de todos. Yo soy una de ellas.

Fumo mientras tomo el café. Que adulzo con 3 cucharitas de azúcar. Ni más, ni menos. Y como alternando un trago de café y un trozito de pan.

Entonces me visto y salgo por la calle.

Me encanta el verano pues puedo poner ropas leves y sueltas. Puedo salir con poca ropa, no necesito vestirme hasta el cuello como en el invierno: que es frío y duro.

Me encanta pues saco todos mis vestidos y mis faldas y les pongo, día tras día.

Eso de sentir el viento fresco que sube por mis piernas y me invade es indescriptible.

Además, camino en silencio, con mis cascos, al ritmo de la música, midiendo las distancias, para que el clímax de la canción coincida con alguna esquina, en la que no sé qué me espera.

En general, no pasa nada de excepcional. Pero... a veces puede ser muy interesante.

Esas pocas veces en que algo inusitado ocurre son tan especiales que las guardo en la memoria, las colecciono.

Siete.

Me encantan principalmente porque esos contactos inesperados me acercan de manera intensa a la otra persona. Intento concentrarme en el olor o en algún detalle, algo que les diferencie de los demás.

Bueno, me gustaría explicarles una cosa: yo soy del signo de piscis y, aun que no crea mucho en astrología o ficción científica o cualquiera de esas tonterías, tengo que admitirlo: soy la típica piscis.

Paso toda la vida mirando a mí alrededor y fantaseando cómo sería si aquel chico – o aquel otro – fuese mi gran amor.

¿y qué hago? ¿Hablo con él? ¿Le pregunto si cree en amor a primera vista?

No. Nunca hago eso, pero paso horas y horas inventando diálogos confortantes.

Y eso me pasa siempre. En el metro, en las calles, en el banco, en la cafetería... dónde sea.

Y así sigo horas... imaginando diálogos – unos románticos, otros más sucios.

Por ejemplo, imagino que estoy caminando por la noche sola y que llega un tío, me levanta la falda y me folla, hay mismo, en el medio de la Gran Vía, con toda la gente parando los coches para vernos, sacando fotos y gritando obscenidades.

Y siempre tengo la impresión de que un día alguien me va a follar así, sin preguntarme nada, como si conociera mis deseos más secretos, como si me conociera más que nadie...

Y lo más interesante es que esos pensamientos me resultan tan reales que soy capaz de describirte la escena con detalles, y de una manera tan precisa que es como si de verdad yo hubiese vivido esas situaciones.

Bueno, por las noches, cuando llego a casa después del curro, me pongo a cocinar. Para mí, no hay nada mejor que una cena bien hecha, dos o tres copitas de vino, un porrito y música. Eso me da una satisfacción tremenda. Es como un ritual que hago sola todas las noches.

Empiezo separando los ingredientes, uno a uno, sin prisa. Les pongo en la orden que os voy a cortar. Cebolla, pimientos, setas, tomates y ajo. El ajo siempre es el último.

Os corto en pedazos iguales, con una meticulosidad matemática. Luego, cuando la comida ya está casi lista, me pongo una copa de vino. En general, prefiero tinto, pero en verano tomo blanco, que me resulta más suave.

Prendo unas velas, lavo las manos y la cara, cambio de ropa, me perfumo y pongo música. Me preparo para esas cenas solitarias como si fuese para un encuentro amoroso.

Ando en una fase bastante Bossa Nova.

Ceno con calma. Después me fumo uno, dos o tres cigarrillos. Y me acuesto.

Siempre con la misma sensación de que, al día siguiente, algo raro va a pasar. .

Um homem que não é mais.


Ele um dia foi belo. Foi elegante, altivo, amado, invejado. Dançava e cantava como ninguém. Usava um lenço vermelho no pescoço. O cabelo sempre impecável, com gel e tudo. Olhos bem azuis, lindos.

Mas o tempo apagou o brilho dos olhinhos de mar. Hoje são nublados, têm algo de tristeza.

Ele, que andava sempre rodeado de amigos e mulheres bonitas, hoje dança sozinho num mercado qualquer de Vallecas, sob o olhar perplexo e piedoso de quem por aí passa.

O tempo voa e leva com ele o recalque. Sem pudor algum, ele fala do passado e se mostra mesquinho e vaidoso. Perdeu seus amigos e suas mulheres bonitas. Hoje paga para preencher o vazio de tudo aquilo que já se foi.

Aquela voz de veludo não existe mais. Apagou-se. O olhar de galanteio foi substituído por uma mirada tola, indefesa, ingênua.

Vive do passado, de recordações engavetadas e empilhadas num quarto com cheiro de mofo. Ele já está enterrado. Sua tumba é um apartamento velho, escuro e silencioso, cheio de quinquilharias e antiguidades sem valor.

sexta-feira, 4 de julho de 2008

quarta-feira, 25 de junho de 2008

Ahora en español


En mi lengua materna, el portugués, hay una palabra muy bella, la “saudade”, que sirve para expresar un montón de sentimientos. Esa palabra es traducida para el castellano como añoranza, nostalgia... Pero debo decir que no es exactamente lo mismo. La “saudade” duele en el pecho, nos deja sin conseguir respirar, ella destruye por dentro. Por otro lado, es ella quien nos hace sonreír solitos, con los recuerdos de todo que amamos. Además, la saudade, distinta de otros sentimientos, no se la siente, se la tiene. Y yo la tengo.

Tengo saudade de cosas banales. Tengo saudade de cerrar las cortinas azules de mi cuarto, de conducir en las anchas avenidas de Brasilia, de escuchar las palabras de mi viejito, de estar en casa, de las puestas del sol en el verano...

Tengo saudade de las manos de mi mamá, de mi hermano mayor diciéndome “Tengas coraje, sea fuerte, no te olvides de nuestro amor”, de los amigos y de las amigas - de los verdaderos. Tengo saudade del olor de mi casa, de fumar los cigarros brasileños, de hablar y escuchar el portugués, de bañarme en las cascatas, de ver el fútbol en la tele domingo, de ir a la playa, de sentir calor y de emborracharme y formular teorías locas - muchas de esas bastante coherentes...

Tengo saudade de todo que me compone y me identifica, de ese montón de pedacitos de mi misma – de historias que viví, de personas que conocí, de lugares que visité, de amores y pasiones. Y aquí, ahora, viviendo sola, percibo que la saudade es como una adicción. Es un deseo de tener nuevamente todo que tuve ayer, en el año pasado, hace unos minutos...

La saudade es la manifestación de nuestro lado más infantil. Nos ponemos como niños diciendo “yo quiero”. Sea lo que sea. Puede ser un amor, un amigo, un objeto, un día, un cachito de pan con queso...

En verdad, creo que la saudade no es nada más que la expresión de nuestro amor por las cosas de la vida. Y el amor, como bien dicen los poetas, puede manifestarse a cualquier momento, por cualquier cosa. Yo puedo amar una mañana, bajo determinados rayos de sol...

Creo que cuando salimos de nuestra tierra conseguimos tener noción de la dimensión de la palabra saudade. Es en ese momento que ella se hace sentir verdaderamente. Una palabra tan brasileña, tan portuguesa... La saudade de su mar, de pueblo...Tal vez una de las palabras más lindas de todas.

quinta-feira, 19 de junho de 2008

Servidão


Agora mesmo, nesse exato momento, tô tentando achar um assunto interessante pra escrever...

Não sei se escrevo sobre o barulho do caminhão de água que limpa a cidade ou se escrevo a respeito das dez horas e meia que fiquei em pé atendendo todo o tipo de gente...

Cara, cada dia que passa eu tento respeitar mais os garçons... eu sei que é foda. Nego te deixa esperando, traz o pedido errado, a comida é ruim, a cerva ta quente, a conta ta alta, não vende cigarro, a comida do outro chega antes...

É foda. Tenho que contar uma coisa pra vocês: é pior pra quem ta do outro lado.

Então, fica aqui um conselho de amiga: tenham paciência, sejam amáveis. Um dia desses pode acontecer de vocês estarem servindo. E servir é uma profissão ingrata. Seja como for. É ingrata.

Eu prometo me esforçar para ser mais grata.

E olha que eu precisei somente de quatro dias para chegar a essa conclusão...

Imagina fim do mês! Vou estar escrevendo tratados filosóficos a respeito do assunto...

Bom, o caminhão de água barulhento passou rápido demais.

terça-feira, 17 de junho de 2008

Um dia.

Sol no telhado. Calor. Um cigarrinho. Uma garrafa de água e um livro. Logo depois: música, samba, Brasil.

Aí aquele banho fresco e roupa limpa. Sair a pé. Caminhar. Ver a luz das tardes intermináveis de Madrid. Sorrir. É amarelo, dourado.

Entrar num café. Tomar um café. Ou uma caña. Respirar fumaça. Fazer fumaça.

Seguir.

Subir e descer. Andares, metrôs, ruas, ânimos.

Estar calada. Lembrar. Pensar. Imaginar. Sofrer. Sonhar.

Aí, casa. Meu universinho. Minha bolha. Minha burbuja. Meu lugar.

Sono. Sonho.

E logo, logo, amanhece outra vez na minha janelinha de ver o mundo lá fora.

Pássaros. Nuvens. Vizinhas. Janelas. Antenas. Sóis.

E, depois, luas e estrelas.

Dia após dia.

quarta-feira, 11 de junho de 2008

O Silêncio


O silêncio. De repente, tudo virou silêncio. Todo aquele ruído, aquela música, aquela voz, aquilo tudo foi embora.

Nem deu tempo de notar. Ele se foi no meio da madrugada. Eu estava sonolenta.

Foi e levou com ele um pedaço de mim. Algo em mim que me confortava. Algo em mim que me preocupava. Deixou só o silêncio. Não escuto mais nada. Nem a minha própria voz.

Só o computador que segue respirando ao meu lado. Imperturbável.

Fiquei sozinha outra vez. Eu e meu bonsai. E mais ninguém.

terça-feira, 10 de junho de 2008

O reino das bicicletas


Eles eram dois e pequenos. Um deles, o mais clarinho, era menor. O outro, mais rápido. O objetivo era... matar a bicicleta.

Ela lá, toda roxa, reluzindo irritantemente.

Ele, o menor, é acometido por uma fúria destrutiva.

Dá pontapés com toda a sua força naquela bola amarela e redonda. Nem sempre acerta. Suas patinhas são pequenas ainda.

A bola vai em direção à bicicleta. Uma. Duas. Três. Dez vezes. Mas ela continua impassível. Parada no mesmo lugar. De pé. Inteira.

Então vem o mais rápido. Não apenas é mais veloz como também tem patas maiores.

Corre. Pega impulso e chuta a amarela. Uma e outra vez.

Até que se cansam.

E o reino das bicicletas volta a respirar tranqüilo.

A pomba


A história da pomba foi assim.

Eu tava deitadona, tomando sol num gramadão, curtindo, relaxada, de olhos fechados, como uma rainha. Eis que escuto um flap flap de asas batendo. Abro os olhos. Ela, a pomba, voa até o galho que está sobre minha cabeça.

Não era uma pomba terceiro-mundista. Era uma pomba holandesa, bem alimentada. Forte. Parruda. E discreta.

Observo a pomba pousar e tenho um mau pressentimento. De repente é como se toda aquela paz que eu sentia dentro de mim tivesse escorrido entre meus dedos. Medo.

Me levanto sobressaltada e desperto meu irmão do sono bom da tarde.

Ju, olha, olha! Ta mirando a bazuca anal pra mim!!!

Hã?

A pomba! Ela ta com a bazuca virada pra cá!!

É mesmo... Ta com cara de quem vai cag... Cagou!

Caralho! Eu sabia! Eu sabia!

Pois é, a pomba holandesa perdeu a classe.

sábado, 24 de maio de 2008

A Festa da Menina Morta

... a festa da menina morta... é festa de quem já se foi... noite clara pra chorar e se chorar... lágrimas, contra o vento...

Amei. É lindo. Tem poesia. Beleza. Dor. Brasil. É a gente.

É duro e encantador. Mexe.

segunda-feira, 12 de maio de 2008

Eu falo brasileño


Então, amigos, é com uma enorme satisfação que venho avisá-los que a nossa língua subiu de patamar. Nós, a partir de hoje, não falamos mais português. Entendido? Combinado?

Temos que deixar de lado as heranças colonialistas e reconhecer o nosso linguajar como único e exclusivo do Brasil, esse país tão lindo, maravilhoso e corrupto.

Portugal, embora esteja na Europa, é um pedacinho de terra sem utilidade nem fertilidade e nós somos a próxima potencia mundial, depois da China e da Rússia. Ou seja, em uns 50 anos ou mais, estaremos dominando o mundo! Venderemos água mineral e de coco. Vai ser irado!!!

Acho que devemos aproveitar a nossa enorme população (somos uma nação de 180 milhões! Concordo que uns 60 milhões tão na merda, mas não deixamos de ser 180 milhões! É muita gente) e nos rebelar contra essa imposição cínica e europeizada, triste e bitolada!!! Vamos todos falar brasileño!

Bom, levando em consideração que a segunda língua mais pop é o espanhol, lhes proponho que não falemos português. Vamos falar brasileño. Assim, seremos fashion, cool e guay. Poderemos passear pela Gran Vía e por Fuencarral de cabeça em pé. Poderemos gritar aos quatro ventos e todos vão nos entender, afinal de contas, falamos brasileño!!! Esse idioma tão fresco e belo, tão sonoro quanto à palavra bunda.

Essa sim é só nossa e podemos nos orgulhar! A bunda! Essa instituição brasileira de tanto sucesso no exterior. Eu, por exemplo, brasileira nata, representante das bundas nativas da terra do Pau Brasil, me esforço ao máximo para levar ao mundo o conceito clássico da bunda brazuca. Foi por isso, e não por outro motivo, que aluguei um muquifo no quarto andar, sem elevador. Assim, todos os dias, me sinto como se estivesse subindo as escadas da Penha, exercitando os músculos das nádegas e fazendo jus às bundas conterrâneas.

Bom, mas voltando ao assunto da língua, falemos brasileño. Porque se continuarmos falamos português os espanhóis vão continuar sem nos entender... Assim como os argentinos falam argentino, os cubanos falam cubano, os colombianos falam colombiano e os americanos falam americano. Portugueses falam português e brasileños falam brasileño. Óbvio, não?

Então, não quero ninguém falando mais português, hein? Se eu pego alguém falando.... vai se ver comigo.