terça-feira, 28 de outubro de 2008

Choveu sempre.




Foi uma manhã estranha.

Dois dias antes, um domingo, havia feito sol, um dia quase de verão. Havia uma leve brisa outonal, suave e fresca.

Mas naquela manhã, se despertou com a chuva batendo forte na janela do quarto. Era um dia normal de trabalho, se levantava às seis e meia. Ainda era noite escura.

O sol não apareceria esse dia.

Ao sair de casa, aquela chuvinha fina e o vento cortante penetraram na sua alma. Na primeira esquina que dobrou, sabia que seu dia não seria um dos melhores.

Choveu incessantemente toda a manhã. E a tarde. E a noite.

Na medida em que o dia ia passando, a temperatura ia caindo. Baixou doze graus em relação ao dia anterior. Foi como se tivesse dormido em um lugar e se despertado em outro.

A cidade estava estranha e as pessoas estavam diferentes: mais cinzas, sem cor, de luto.

Sentiu raiva, medo, fome, frio, pressa, sono, calor, tesão, sede.

Viveu um dia largo. Um dia sem sol. Sem nuvens sequer. Era toda uma mancha cinza, escura. E água.

Chovia tanto, tanto, que seu guarda-chuva sucumbiu às quatro da tarde.

Às seis, o céu resolveu cair. Empapou-se dos pés a cabeça, mas seguiu. Ainda tinha muito dia pela frente.

Chegou em casa às onze. Com os pés enrugados, os dedos frios, o corpo cansado, as costas doendo...

Dormiu. Ao som da chuva batendo na janela.

Era como uma melodia contínua, eterna.

Era como se aquele dia não fosse acabar nunca.

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Quem quiser gostar...


Antes de postar o texto, eu gostaria de lembrar o significado da palavra "crônica".

crônica
crô.ni.ca
sf (gr khronikós, via lat) 1 Narração histórica, pela ordem do tempo em que se deram os fatos. 2 Seção ou artigo especiais sobre arte, literatura, assuntos científicos, esporte, notas sociais, humor etc., em jornal ou outro periódico, sempre do mesmo autor, geralmente refletindo suas idéias e tendências pessoais. 3 Biografia, geralmente escandalosa. 4 História da vida de um rei. sf pl Cada um dos dois livros do Antigo Testamento que narram os feitos das principais personagens bíblicas, especialmente os dos reis de Israel e Judá; Paralipômenos

Aí vai a crônica!

Quem quiser gostar...

Eu sou uma mulher que, aos olhos dos outros, aparento muito bem resolvida. Carrego comigo, de cabeça em pé, os meus noventa e oito quilos. Tudo bem, o joelho esquerdo está fodido, mas o direito segura a onda.

Mas o lance do joelho não é só o peso. É que eu sofri um acidente quando era pequena. Me atropelaram – uma amiga da minha mãe. Aí fiquei assim, meio coxa.

Lembro da minha mãe me proibindo a andar de bicicleta. Nunca andei. Não sei andar... E não vai ser agora, aos trinta, que vou aprender. Eu passo de andar de bicicleta. É patético.

Cara, acho que as pessoas se intimidam um pouco com a minha presença, sabe? Eu sou corpulenta, grande, tenho um cabelão blackpower... E, vamos combinar, sou bonita. Tenho o rosto muito bonito. Além do mais, sou simpática.

Bueno, sou simpática quando quero. Porque quando eu resolvo ser grossa... sai de baixo.

Mas em geral, sou tranqüila.

A minha mãe me banca com a grana que meu pai deixou de herança. E olha que o coroa deixou muita grana... Então vivo numa boa. Vou fazendo uns cursos e uns másteres por aí e mando as notas pra ela. Ela fica contente e solta a verba.

É que eu fui adotada, sabe? Aí eu acho que a minha mãe tem um sentimento meio distorcido por mim. Ela e o meu pai sempre me deram de tudo, numa vontade louca de suprir algo que não lhes correspondia. E sofreram. E não preencheram os espaços... E jamais preencherão.

Eu acho que ando com problemas com o álcool... Na verdade, isso eu não conto pra ninguém. Sempre me defendo dizendo que nem bebo tanto quanto neguinho imagina. Mas a verdade é que bebo mais do que eles imaginam.

Aí saio, me embriago, falo o que não acho, faço o que critico, penso e ajo como não devia, nem queria...

Faço minhas merdas por aí.

Depois fico mal pra cacete. Não consigo sair da cama no dia seguinte. Peço um tele-trash e me entupo de comida “basura”.

Me arrependo.

Ligo a televisão e boto nos Simpsons ou em Family Guy. Assim me sinto melhor. Não sou a única.

Eu me saboto. Tenho um poder de sabotagem impressionante. Saboto meus amigos!!!

Me convenço de que, na verdade, a vida é assim. E há que se desfrutar enquanto pode.

Eu sei que não tenho muito tempo. Mais dia ou menos dia, vou ter que me arranjar. Seja com um marido rico, seja de outra maneira... não importa.

Acho que a crise dos trinta chegou. Estou em um momento de auto-reflexão. Auto-conhecimento...

Auto-ajuda! É isso que eu preciso! Rárárá.

Quero mais é que a auto-ajuda se exploda. Que se danem. Eu sou assim... quem quiser gostar de mim, eu sou assim.

E olha, vou dizer uma coisa: Tem quem goste!

sábado, 18 de outubro de 2008

A censura não morreu



Esta semana a máscara caiu em Madri. A Espanha, um dos países representantes do top less no mundo, mostrou sua cara mais conservadora.

A poucos dias da estréia do filme “Diário de uma ninfômana”, dirigido por Christian Molina e baseado no livro homônimo da escritora francesa Valérie Tasso, o cartaz de divulgação foi censurado.

A Empresa Municipal de Transportes de Madri censurou a foto que deveria estar estampada nos ônibus e nos painéis das estações de metrô da capital espanhola.

O cartaz, agora exposto com uma tarja negra no meio, não deve chocar tanto os olhos castos dos conservadores e remanescentes franquistas.

No entanto, ao passar em frente às salas de cinema, alguns terão de fechar os olhos e virar a cara, pois aí os cartazes estão expostos tal e qual foram concebidos.

Sei lá, deve ter gente que se ofende com uma calcinha preta.

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Engraçado...




Engraçado como a minha relação com as coisas mudou. Com a distância (física, afetiva, geográfica...), com o espaço, com o dinheiro, com as pessoas, com as idéias.

Por exemplo, eu vivo numa não-casa. Ok, eu chamo de casa, mas não se poderia. São alguns poucos metros quadrados totalmente equipados para você brincar de casinha. Só que tem um detalhe. Estou no centro da cidade, com uma baita qualidade de vida.

Engraçado...

Hoje cheguei em “casa” e vim ler meus emails. Engraçado como em poucos minutos, eu estava totalmente envolta pela atmosfera de Brasília. Recebendo boas notícias, lembranças, sentindo saudades, escutando boa música.

Aí levanto os olhos e vejo as quatro mandarinas que ainda restam. Eram umas doze, mas estão tão docinhas... Tive que comê-las. As maças seguem sendo seis. Essas são pros santos. Ninguém toca. Até porque não há alguém. Aqui.

Fora de casa existem muitos alguéns, tem o chino da esquina, tem o francês louco, tem o dono do apê (que fala pra caralho), tem o Juan Pedro (que não consegue pronunciar o “v”), tem a Maria da Paz (titia), tem o Chico, o Caê, o Vinicius, a Bethânia, o cara que instala o elevador (e que não termina nunca), a tímida Raquel, o figura do Ignácio, o guapo do Gael, os garçons (sempre! Viva o Arleudo e o Cícero! ), o carinha do metrô...

Hum... Adoro o cheiro da mexerica! O cheiro que deixa nos dedos, embaixo das unhas. Adoro essas minúsculas gotículas que saltam delas quando estamos descascando. Adoro observar os poros da casca.

Ai, e são dessas pequenininhas, que tem no sul, com a casca bem fininha, que dá pra comer quatro!

E tem uma lâmpada queimada em cima da pia. E uma xícara de café sem café. E um flamenco tocando atrás.

E o peito sente. Algo.

E as Marietas vão por aí, perdidas. De propósito.

E a Cazarré segue por aqui. Comendo mexericas, com dor nas costas e com saudades de tudo aquilo que ainda não viveu.