quarta-feira, 26 de novembro de 2008

A história da cafeteira

Antes de contar essa história, eu gostaria de apresentar-lhes a minha cafeteirinha.




Ela é composta por:

1 – partezinha de baixo

2 – lugarzinho onde se põe o café

3 – borrachinha imprescindível

4 – “filtrinho”

5 – partezinha de cima

Ok. Ela é igual a qualquer outra. Então, seguimos adiante...

Era uma bela manhã de março. Eu havia chegado da academia e estava literalmente desmaiando de fome. Resolvi comer antes de tomar banho, assim dava tempo pro corpo esfriar.

Comecei o processo diário de desjejum. Liga a torradeira, bota o pão, separa o queijo e o presunto, serve um copo de suco, toma o remédio da tireóide e... prepara o café.

Não sei se foi o frio tremendo que sentia – ainda era inverno – ou se a fome brutal, mas o fato é que, durante o complicadíssimo processo de montagem do meu aparato fazedor de café, esqueci uma pequena pecinha no escorredor de pratos: a número 4.

Nunca menosprezem as pequenas peças! Elas podem ser fundamentais.

Não sei se já ocorreu com algum de vocês... mas, eu digo, não foi divertido.

Bom, passados uns minutos, a cafeteira já estava no fogo, o misto-quente quase pronto e o suco pela metade, quando... pfffffffffffffff chuáááááááááá. Não sei se a onomatopéia descreve bem, mas foi uma explosão.

A tampinha se levantou e o café saltou como um jorro de petróleo salta de um poço recém descoberto. Foi de cinema. Eu, naturalmente, soltei um daqueles gritos de filme de terror, bem agudos e longos. Quase tive um troço. Havia café por tudo e, diga-se de passagem, passei meses encontrando grãozinhos de café esquecidos.

Eu juro que naqueles instantes posteriores ao susto agradeci por viver sozinha. Não seria bacana que me vissem naquele estado lamentável. Encharcada de café até os cabelos, com os olhos cheios de lágrimas (sim, o susto foi grande!) e aquele líquido negro que parecia brotar da janela, do teto, das paredes.

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Aquela cigana...


Não era um dia especial de maneira nenhuma. Ela chegou em casa de noite e se viu sozinha. Não tinha sono. Resolveu que queria tomar algo. Abriu uma garrafa de vinho do porto. Estranho... nunca bebia vinho do porto. Ou melhor, quase nunca.

Ligou o som do quarto e se sentou no chão, no carpete azul. Estava feliz por estar sozinha. Curtia essa sensação ainda meio infantil de liberdade, de domínio de seu próprio nariz. Era como se ausência de seus pais lhe permitisse tudo. Na verdade, não faria nada proibido. Seguiria ali sentada, ouvindo música e se deixando arrepiar pela poesia e pela dor daquelas canções.

Estava emocionada, se sentia já mulher. Sabia que em breve estaria muito longe dali, experimentando outras coisas. O que não conhecia ainda era o real significado da palavra “solidão”, essa ainda não fazia parte de seu dicionário. Mas estava feliz. O ar às vezes, lhe faltava, como costuma ocorrer quando a ansiedade e a expectativa nos consomem. Passou muito tempo ali sentada, pensando, imaginando o que estaria por vir, sem a menor idéia do que lhe aguardava realmente.

De repente, entre um cigarro e outro, se levantou e olhou-se no espelho. Mas não se reconhecia. Seu rosto estava estranho, diferente. Aquela postura não era a sua. Aquele olhar, aquelas mãos segurando o cigarro. Não era ela.

Fechou os olhos, assustada. Tornou a abri-los, mas aquela imagem seguia refletida no espelho. Resolveu encará-la.

Pouco a pouco, contagiada pela música e sem oferecer resistência, começou a dançar devagarinho. E, sem perceber, aquela dança foi se tornando mais e mais intensa. Rendeu-se.

Dançou, fumou, bebeu e, pela primeira vez, deu ouvidos àquela cigana linda, feminina, forte e imponente, que levava dentro de si.

Magia


Magia não é coisa de bruxos, de magos, de feiticeiros ou nada parecido. Fazer magia não consiste em transmutar elementos, em transformar o chumbo em ouro. Isso é só uma metáfora que encanta alguns e que a afasta da vida cotidiana.

Como diria um velho bruxo amigo meu, magia é mudar as ordens sem causar desordens.

Magia é escrever uma carta, acender uma vela, piscar um olho, olhar pra dentro, dar calor, cantar, suar, falar, lembrar. É música, é beleza, é amor.

A magia é tudo isso que a gente lança pra fora. Todo mundo faz magia, mesmo os que não são conscientes de tal feito. A diferença está na intenção. Os tolos, anônimos, lançam faíscas sem dar-se conta que de tudo o que vai, volta. Os bons, lançam flores e poesia, cientes de seu retorno.

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Um desses apanhadores em campos de centeio




É foda. Eu odeio esse colégio e todos esses falsos. Não sei porque eles têm essa mania de andar em grupos. O grupo dos metidos à atleta, o dos galãs, o dos nerds, o dos roqueiros... Aff, não suporto.

O Oliveira, por exemplo, não lava os dentes. Eu não respeito uma pessoa que não lave os dentes. Não que desrespeite ele, eu até falo com ele, mas é que é foda. O cara não lava os dentes. Cara, eu não suporto isso. E vocês tinham que ver o dia que Pimentel falou na cara dele que ele era um porco. Ele ficou tão puto! E disse que era mentira, mas não é. Em um ano, nunca vi ele lavar os dentes. E se nota, porque tem a boca nojentona, com umas placas de comida velha entre os dentes.

Outro dia a gente tava na cantina e eu tive que mudar de mesa. Cara, não consigo comer perto dele. Ele come e fala e você pode ver a comida saindo pelos cantos da boca. Eu nunca na minha vida vi alguém comer tão feio. Aposto que vocês nunca viram alguém comer tão feio também.

Bom, mas eu tava falando que odeio esse colégio. Na verdade, acho que odeio todos os colégios. É sempre igual. Só muda mesmo o uniforme. É foda. Aonde você vai ta cheio de falsos. Eu quero mesmo é ir embora. Vou pra uma praia deserta e vivo por lá, pra sempre. Aí, se meus pais quiserem me visitar, eu deixo, mas com uma condição: na minha casa não aceito falsidades. E eu mando embora se alguém vier pra cima de mim com falsidade ou coisa que o valha.

Cara, vai ser massa, porque aí eu vou construir uma jangada e vou pescar. E vou viver numa cabana dessas de palha. Outra dia contei pra Sofia, minha irmãzinha, que estava de partida e ela começou a chorar e dizer que vinha comigo. Cara, foi foda. Eu expliquei que era algo que tinha que fazer sozinho, mas que ela podia me visitar. Vocês não imaginam! Ela ficou chateadíssima comigo, me virou as costas e passou quase duas horas sem falar comigo. Cara, ela me deixa boquiaberto. As crianças às vezes são tão impertinentes.

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Não é só no Brasil...




Não é só no Brasil que jovens são assassinados em porta de boate. Nem é só no Brasil que gente sem escrúpulos toca fogo em pessoas indefesas.

Esse fim de semana três seguranças de uma boate em zona rica de Madri mataram a pancadas um jovem de 18 anos.

Há aproximadamente um mês houve o julgamento dos três jovens (um deles menor de idade) que atearam fogo a uma indigente que dormia num caixa automático em Barcelona. Eles disseram que só queriam se divertir, não achavam que iam matá-la...

Acho que já ouvi essa ladainha antes.

Não quero justificar – de maneira nenhuma – as atrocidades que acontecem diariamente no Brasil. Até porque gente desequilibrada, violenta e cruel, não escolhe lugar pra nascer. O que talvez nos diferencie da Espanha, para dar o exemplo que conheço, seja a ineficiência de nosso sistema penal.

Me lembro que em 2006 houve uma polêmica em Brasília... Era porque os assassinos de Galdino, que dormiam na prisão mas podiam sair durante o dia, passavam as tardes passeando de carro e tomando cervejinha com os amigos.

Por aqui a coisa funciona diferente. Os incendiários (maiores de idade) foram condenados a dezessete anos de prisão, enquanto o menor foi condenado a oito anos em instituição penitenciária (pena máxima para menores de idade). Além disso, tiveram que pagar uma indenização de 46 mil euros à família da vítima e 26 mil euros ao banco La Caixa pelos danos do “incêndio”.

Seguramente não poderão sair de tarde pra tomar umas “cañas” y “tapas” com seus amigos...

domingo, 16 de novembro de 2008

Pequeno Tratado sobre a Dúvida


Será?

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Drogas...



Lonicera Caprifolium


A minha é essa!

Porque é flor.

A resposta está na natureza. Feche os olhos e tente ouvir.

Ese, sí, es pá ti.


DO AMOROSO ESQUECIMENTO

Eu agora - que desfecho!
Já nem penso mais em ti...
Mas será que nunca deixo
De lembrar que te esqueci?

Mário Quintana

domingo, 9 de novembro de 2008

Manter intactas as canelas dos outros



Tem muita gente que fala do “Jogo da Vida”. Eu não sou uma delas. Mas, pensando bem... sim, se pode encarar a vida como um jogo. Você tem que vencer obstáculos, fazer apostas, arriscar, saber perder, saber jogar...

Isso me lembra uma canção chamada Fallaste Corazón, um clássico. A versão que escuto é de Amélia Rodrigues. “A vida é a roleta em que apostamos tudo”.

Eu, sim.

Somos bilhões tentando sobreviver. E cada um tem seu objetivo a alcançar. Uns querem dinheiro, outros querem amor. Ter, ser, poder, vencer, querer, comer, morrer. Várias metas distintas.

Como em qualquer jogo, nem todos ganham. Mas todos tentam. Ou melhor, quase todos. Sempre tem uns que se rendem antes do fim.

“Café com leite”.

Tem gente que joga pra ganhar. Tem os que vão distraídos, sem muito entusiasmo, olhando atônitos e perdidos pro tabuleiro... sem saber o que fazer.

O problema é que as regras não foram pré-definidas. Elas são inventadas e alteradas ao longo da partida. E sempre há controvérsias.

Tem gente que joga sujo. Desses, eu não gosto. Os que blefam, os que roubam, os que tentam te passar pra trás.

Afinal, é só um jogo...

Porque tem gente que leva tudo tão a sério?

Eu acho que, na vida, o principal objetivo deveria ser: Manter intactas as canelas dos outros.

E esse é o esquema: cada um com sua concepção de jogo, com seus dados, com as suas fichinhas, com o seu tabuleiro, roleta, peões, cores, pontos, vitórias, empates e derrotas. Mas respeitando sempre as canelas alheias.

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Pra Juja!



Saudades de você!

Sul Realismo



Era uma mão de quatro dedos. Nada mais. Era uma mão sem polegar. Sem braço, sem dono. Ela era um monstro. Vinha de madrugada, subia pelo pé da cama e torturava as crianças.

Fazia um calor tão grande, tão úmido. As pessoas fritavam seus ovos na calçada. E todos comiam na rua. Aí mesmo. E tomavam um caldo verde escuro, amargo. E suavam.

O fusca falava.

A cidade cheirava a lenha. Olha a banana, a melancia, o melão e a uva.

Havia um círculo negro no chão do chuveiro. E dava choques. E goiabada predileta.

Morava lá um anjo que falava seu próprio idioma.

E caçavam abelhas em potes de maionese. Alguns amores perdidos.

Duas iguais. Listras de cores diferentes. Os olhos. Um arroio. Galochas de plástico para cruzar, diziam.

Armazéns antigos com gosto de mel. Vinham umas dez no saquinho.

Lagoa de areia grossa. Pintados assados de noite. Centos de pelúcias. Bóia e varanda pra saltar.

Uma casinha de madeira empoeirada com um chorão plantado na frente.

Esquentavam a bunda no fogo. Desfile de carnaval. Frio na barriga. Mãe.

Os meninos já eram meninos. Outras relações. Um chalé onde viviam baratas que eram do tamanho de pessoas. Gatinhos eram afogados no tanque. Plantações de morango.

Um trem invisível que passava de tarde, longe. Num porão assombrado.

Se amontoavam uns em cima dos outros pra dormir. A janelinha dava pro pátio. E um perfume numa caixinha verde debaixo do espelho.

Sonhos na frente da televisão. E bingo no colo.

Infinitamente maior.

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Rascunho...



Ser brasileira.

Acho fantástico o fato de que, por ser brasileira, levo comigo muita informação. Interessante como a nossa cultura, o nosso país de origem, influem nas relações sociais. O meu sotaque, a minha cara, a minha cor, o meu “padrão social” (para não falar em classes), tudo isso é processado de maneira rápida e objetiva pelos "outros".

É claro que a recíproca é verdadeira. Mas eu, como brazuca, só posso falar do lado de cá.

Carregamos um estigma (e isso não é necessariamente ruim). Antes de nós mesmos, já existia a Bossa Nova, o carnaval, as praias, o “tropical”, as mulatas, a mistura. Tudo isso e algo mais (impressões pessoais) são pré-requisito na hora da análise inicial.

E o mais interessante é que cada um vem com a sua bagagem. Aparece de tudo: Carmen Miranda, Pelé, Xuxa, Ayrton Senna, Niemeyer, Vinicius, Daniela Mercury... Cidade de Deus, Salvador da Bahia, Ronaldinho, samba, Amazônia, calor, feijoada... e caipirinha, é claro.

E aí eu tento explicar que somos gigantescos e que isso é só um pedacinho de tudo aquilo que é o Brasil.

Mas é difícil.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Velho Bucáusque


Ele se chamava Bucáusque, ou pelo menos era assim conhecido por todos. Vivia no subúrbio do Rio. Freqüentava os sambas de roda, os prostíbulos, os botecos, as delegacias de polícia, as rinhas de galo, o Maracanã.

Era flamengo e gostava de ouvir a Elza Soares cantar. Dizia que era a Ella Fitzgerald brasileira.

Tinha um temperamento bastante estável – estava sempre de mau humor. Gostava de debochar do romantismo e se dizia totalmente cético em relação ao amor ao próximo.

Normalmente tomava porres fenomenais e ia acompanhado para a casa. Seu jeito cafajeste e estúpido atraía as mulheres. Raramente tinha que pagar para dormir acompanhado. Elas se divertiam com seu humor cínico e rabugento. E se iludiam com a possibilidade de virar musa de algum poema. Em vão, sempre.

No dia seguinte, como de costume, se levantava e abria uma cerveja. Não era nada atencioso. As tratava mal para que fossem embora logo. Ficava puto consigo mesmo pelo fato de haver uma mulher na sua cama. Em geral, não se lembrava do que havia acontecido na noite anterior. Se ao menos se lembrasse...

Assim seguia. As despachava sem grandes rodeios e se sentava em frente à sua antiga máquina de escrever. Era o seu maior bem, depois da geladeira, é claro.

Não tinha muito, não precisava de muito. Bastavam alguns pacotes de miojo no armário e algumas garrafas de bebidas variadas. Gostava de seu estilo de vida e se auto-descrevia como um pessoa simples e despretensiosa.

Era poeta. Não era uma pessoa preocupada com os problemas sociais nem com a solidariedade entre os homens. Estava mais ocupado em se manter sob o efeito do álcool e comer algo, vez ou outra – para poder seguir bebendo.

Fazia pequenos bicos e publicava poemas num jornaleco da região. Mas sua principal fonte de renda eram as apostas. Apostava sempre e, pra falar a verdade, tinha um bom faro.

Sempre comparava as rinhas de galo ao futebol. Acreditava que esses eram os dois maiores espetáculos que o homem havia inventado. E que, observando de perto, eram a metáfora perfeita do ser humano moderno.

Tudo não passava de uma luta tola e vã por sobreviver e ser melhor que os outros.

Dizia que a vida lhe havia ensinado que o amor, como qualquer outro sentimento, é passageiro e tem prazo de validade. Mas reconhecia que se tornava profundamente incoerente quando apaixonado. Era capaz até de ver beleza onde não havia.

Sua poesia servia como cano de descarga. Era uma maneira de expressar todo seu rancor e sua descrença em relação à “magia” da vida. Sempre acreditou que, apesar de termos polegar opositor, não passamos de animais selvagens num mundo idiotizado pela televisão. Batalhando por sucessos e reconhecimentos sem valor.

Sempre preferiu os maus aos bons. O errado. O sujo. A loucura. O equívoco. O feio.

sábado, 1 de novembro de 2008

Minha pequena

Minha pequena,

Quero que me contes tudo.

Me conta as tuas penas para que eu possa te consolar.

Consigo imaginar sua carinha rosa, seus olhinhos se fechando, as pequenas lágrimas escorrendo até os lábios. Nunca me esquecerei daquela noite: “Pai, são docinhas. Eu gosto de lágrimas”.

Minha pequena, enquanto eu viver, não estarás sozinha nesse mundo.

Você é tudo o que possuo de mais lindo e meigo. Não posso admitir que sofras. Se algum homem te magoar, volte pros braços do teu velho pai.

Quero poder estar ao teu lado sempre que essas gotinhas doces escorrerem pelo teu rosto.

E te consolar. Enquanto eu viver...