sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Romantismo passageiro


De repente, numa tarde de sexta, já cumpridos todos os compromissos, sentada diante do computador, escutando Tim Maia, fui tomada por um romantismo pouco habitual.

Já resolvidas todas as pendências cotidianas, inclusive tendo feito um escândalo numa revista para que me pagassem o que me deviam – me pagaram! Enfim! - , eis que me encontro outra vez só, no meu pequeno, porém acolhedor, lar.

Descubro uma já esquecida bandejinha de bacalhau congelado no mini-congelador do meu frigobar. Levando-se em consideração que tinha batatas, cebolas, ovos e azeitonas, me preparo um delicioso Bacalhau a Gomes de Sá. Como sou uma pessoa bastante precavida, tinha também um litro de cerveja geladinha esperando pra ser bebida. Ótimo!

Ponho umas pérolas do Tim pra tocar a todo volume enquanto cozinho e como. Feito isso, saciado o apetite, percebo que tenho uma espécie de frio na barriga. Não é fome. Paro, reflito, e me dou conta de que, na verdade, fui afetada pelo gorducho sacana.

Que descanse em paz!

Minha sorte é que o disco acabou. E a vontade de compartilhar meus breves momentos de romantismo também.

Paradoxos da vida



Para que as coisas seguissem como eram antes, muita coisa tinha que mudar.

O dia em que deus me sacaneou


Estava numa pequena cidade cujo nome não vem ao caso. Comemorávamos um êxito que também não vem ao caso. O fato é que já era quase cinco da manhã e eu estava completamente embriagada. Estava suficientemente alterada para andar em zig-zags por aquelas calçadinhas estreitas e desertas.

Saí da “festa” deixando meus companheiros em igual ou pior estado. Éramos uns oito ou nove. Mas eu era a única que tinha que seguir viagem.

Caminhava decida, embora sem muita pontaria, rumo ao castelo em que estava hospedada. Era um palácio do século XVI (ou XVIII, tanto faz) transformado em albergue. Cruzei o imponente portão e segui pelos jardins. Ainda não estava amanhecendo, mas meus olhos já haviam se acostumado à escuridão. Subi a escadaria e, esbarrando em tudo o que havia no meu caminho, consegui chegar a minha habitação. Havia outras pessoas no mesmo quarto. Obviamente, dormiam. Não acendi as luzes. Minha sorte é que tenho um bom sentido de localização e direção.

Encontrei, sem dificuldades, a minha cama e, ao pé dela, minha mala. Com o tato, no escuro, identifiquei a roupa que queria vestir. Não me perguntem qual era, não me lembro. Me dirigi ao banheiro. Acendi a luz. Ufa! Que alívio.

Tomei um banho rápido e quente. Me vesti e voltei ao quatro escuro. Enfiei a roupa da festa na mala sem nenhum cuidado, sem dobrar nem nada. Estava muito bêbada para fazer as coisas com capricho. Eu era pura torpeza. Tive que sentar em cima da mala para poder fechá-la. Fechei.

Chego na “recepção” e, muito sem graça, desperto o simpático homem responsável pelo palácio. Pedi, não sei como, pois não falávamos o mesmo idioma, que me chamasse um táxi. Necessitava estar na estação de trem dentro de quinze minutos. Enquanto esfregava os olhos e lambia os beiços, ele me olhava surpreso.

- Você quer um táxi? A essa hora? Pois... não tem.

- Como assim? Não tem?

- Não tem... Espera, vou tentar.

Pegou o telefone e, descrente, discou... nada. Ninguém atendia. Ele, sem dar-me nenhum tipo de explicação, virou as costas e saiu. Voltou em seguida com umas chaves na mão e me disse:

- Vem comigo.

Eu fui. Caminhamos até o estacionamento. Ele, aquele santo homem, ia me levar no seu carro até a estação, às cinco e tanto da manhã de uma quarta-feira qualquer. Era um anjo da guarda.

Eu lhe agradeci muito, mais com gestos do que com palavras. Eu nem sabia o que fazer, mas tinha vontade de abraçá-lo. Quando chegamos na estação, tentei que aceitasse algo de dinheiro e ele recusou. Acho até que se ofendeu um pouco. Mas, com sua simpatia habitual, me desejou uma boa viagem e se foi.

Já me sentia um pouco mais lúcida, embora não conseguisse realizar movimentos sutis e delicados. Entrei na estação e me dirigi à fila para comprar a passagem. A fila não andava e eu, agoniada, olhava pro relógio e via o tempo passar. Não poderia precisar quanto tempo estive na fila, talvez uns dez minutos. Nesse momento, passou perto de mim um homem com uniforme da estação.

- Senhor, desculpa, é nessa fila que compro as passagens pra Maracangalha?
-
- Maracangalha? Hoje é quarta-feira, não tem trem pra Maracangalha hoje...
-
- Como assim? Eu tenho que estar lá dentro de três horas, senão perco o vôo de volta pra casa!
-
- O que você pode fazer é tentar pegar o ônibus, que sai logo ali, onde Judas perdeu as botas.

Eu não estava em condições de discutir – nem tinha léxico para tanto. Saio da estação e me deparo com um táxi com todas as portas abertas, inclusive o porta-malas. Já começava a amanhecer e o taxista estava limpando, com uma dessas flanelinhas amarelas, os vidros do carro. Me aproximei e, muito educadamente, lhe pedi que me levasse lá onde Judas perdeu as botas. Ele me disse que não, que estava limpando o carro. Simples assim. Falou comigo num tom quase de deboche, como se eu fosse a pessoa mais sem-noção da face da terra. Parecia que eu havia pedido a ele que me levasse à Bahamas de táxi.

É óbvio que insisti, fiz cara de choro, apelei à Santa Virgem, implorei, fiz charminho... E ele me levou. De cara feia, mas me levou. Quando chegamos, na hora de pagar, bem faceira, saquei uma nota de 50. Ele não podia acreditar. Bufafa, vermelho. Atirou minha mala na calçada – para não dizer que arremesou - e ofendeu todos os meus familiares, sem exceção. Eu ouvi, caladinha, sem dizer nada. O que eu podia fazer? Eu não tinha troco...

Sem ter outra saída, ele me deu o troco e se foi cantando pneus. As pessoas na parada de ônibus me olhavam pasmos. Uns com pena, outros com olhar de repressão.

Felizmente o ônibus chegou poucos minutos depois. Entrei, paguei ao motorista e perguntei quanto tardaríamos para chegar à Maracangalha. Ele me disse que umas duas horas e meia. Fiz os cálculos de cabeça e vi que, com um pouco de sorte, poderia não perder o avião. Me acomodei, ajeitei o despertador do celular e dormi o sono dos justos.

Acordei sobressaltada com o alarme. Confirmei com o motorista que estávamos chegando. Ok, tudo ia bem. Desci na estação e, com minha mala em punho, fui informar-me sobre o transporte até o aeroporto. Caramba, que saga! Aquele sofrimento não acabava nunca. E, na verdade, eu já abandonava o estado de embriaguez e começa a sentir os sinais da ressaca. Encarei mais meia hora de ônibus até o aeroporto. Fui cochilando, os olhos iam fechando devagarinho, a cabeça ia caindo pra um lado, até que... opa! Acordava com o queixo quase entre os seios. Dava esse típico coice de pescoço para trás, disfarçando, e tentava manter-me desperta. Que inferno! E que gosto de guarda-chuva na boca!

Cheguei no aeroporto! Ia dar tempo. Eu nem podia acreditar. Foi quando, para minha alegria suprema, vislumbrei a fila de embarque. Nesse momento, me despi de qualquer vergonha-na-cara ou consideração-ao-próximo e fui diretamente ao guichê, ignorando a fila. Expliquei à atendente que meu vôo já ia sair e ela, serenamente, me pediu que aguardasse. Aguardei uns minutos e ela me chamou.

Eu já estava com a passagem na mão e um sorriso na boca quando ela me avisou que eu não tinha pagado a taxa necessária para despachar a bagagem. Ou seja, tinha que encarar mais uma fila. E mais uma taxa.

Pois bem, enfrentei mais uma fila e mais uma taxa. Paguei. Me sobravam no bolso uns cinco euros... Entrei no avião atrasada. Só faltava eu. Olhares de ódio em minha direção. Estava cansada demais pra importar-me com olhares alheios. Dormi.

Aliás, dormi antes da decolagem e acordei depois da aterrissagem. Cheguei. Recolhi minha mala e enfrentei quarenta e cinco minutos de metrô até a estação mais perto da minha casa.

Às três da tarde cheguei, enfim...

Entrei em casa. Bebi meio litro de água e dormi até o dia seguinte.

Aquela batalha, eu havia ganhado. Agora, que deus tava de sacanagem comigo, isso tava.

domingo, 25 de janeiro de 2009

O ninho era quentinho, mas eu tinha que voar...


Confesso que às vezes olho ao meu redor e sinto falta do meu ninho. Mas eu tinha que voar...

Aquele ninho era cômodo e quentinho, mas estava ficando pequeno pra mim. Eu, que sempre fui uma andorinha muito saidinha, queria conhecer outras paragens.

Desde que saí, desde que voei pra longe, me dei conta de muitas coisas. De que um bom ninho não se constrói depressa, por exemplo. E que não se constrói só. Sozinho, talvez. Mas só, nunca. Necessitamos sempre de um empurrãozinho, seja qual for... E é um processo longo. Antes precisamos treinar nossas habilidades arquitetônicas.

Eu me lembro do meu primeiro vôo mais ousado... encontrei um pássaro lindo e raro, d’uma espécie em extinção. Construímos nosso ninho. Era bonito e aconchegante, mas, depois de certo tempo, começou a chover, chover... e o ninho não resistiu ao temporal. Faltava algo, mas nunca descobri o quê.

Nesse momento, assustada, voltei pro meu ninho quentinho. Lá, recebi amor e muitas minhocas. Muito combustível acumulei. Até que chegou o dia do grande vôo. E, dessa vez, voei sozinha.

Cheguei bastante longe. Numa terra onde as árvores e as minhocas são diferentes. Onde o sol brilha mais fraco e o vento sopra em outra direção. Mas não foi difícil adaptar-me a esses novos ares, acho que as melodias que trouxe gravadas na memória me ajudaram.

Agora, pouco a pouco e sem pressa, começo a construir outro ninho. Felizmente sei que, sempre que precisar, aquele ninho quentinho seguirá lá, me esperando de braços abertos para mais um verão.

Mas sei também que minhas asas já estão bem grandes e que posso voar longe e alto. E que posso juntar galhinhos de várias espécies e tamanhos e tons de verdes e marrons. E que posso ir de galho em galho, construindo pequenos ninhos... até o dia em que encontre o galho perfeito pra mim. Então, aí sim, construirei um ninho bem bacana, com raminhos variados, num lugar bem alto, pertinho do céu, do sol, das estrelas e da lua.

E, de noite, farei saraus e tertúlias... e, de dia, silvarei bem alto e contarei, com uma suave melodia, a minha história. Tão simples e tão minha... para quem queira ouvir.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

O nó



Era uma terça-feira de inverno em Madrid. Ela caminhava apressada por Chueca, olhava para os lados em busca de um lugar para comer. Tinha muita fome e pouco tempo. Em breve deveria estar do outro lado da cidade, dentro de um escritório escuro e impessoal.

Entrou num pequeno restaurante chamado “El Rincón de Chueca”. Os garçons e os clientes faziam jus à fama do bairro. Eram todos, ou quase todos, homossexuais. Ela se sentou sozinha numa mesa e sorriu. Sempre se sentira bem entre os homens. E, na verdade, sempre desfrutara de uma simpatia pelos gays, e era recíproco.

Pediu uma ensalada mixta e salmão a la plancha. Quando já estava por terminar a salada, percebeu que o homem que estava na mesa em frente a sua, sozinho, choramingava. Observou-o atentamente durante os quinze minutos restantes de que dispunha para almoçar. O homem se lamentava, murmurava algo para si mesmo. Notou uma tristeza profunda.

Em nenhum momento ele lhe pareceu estar zangado ou arrependido de algo. Estava triste. As lágrimas corriam soltas por seu rosto. Algumas desciam até o queixo e logo desapareciam no cachecol. Outras eram tragadas junto com os espaguetis.

Ela não entendia como o sofrimento oculto de um anônimo podia causar-lhe tamanho impacto. A cada garfada angustiada daquele homem ela sentia o peito apertar mais. Não conseguiu terminar de comer.

Pediu ao garçom que lhe preparasse o salmão para levar. Pagou a conta, fumou um cigarro e, ao levantar-se para ir embora, foi dominada por um sentimento muito forte. Tremia dos pés à cabeça e, sem tentar reprimir o impulso, levantou-se e foi até a mesa daquele homem.

Inclinou-se para frente e lhe perguntou, com a voz tremida e fraca:

- Perdoe-me, você está muito triste, não?

- Sí...

E viu duas gotas gordas escorrerem naquele rosto desconhecido.

- Posso te dar um abraço?

- Sí...

Abraçou-o como a um velho amigo. Com força. E sussurrou-lhe ao ouvido que não se preocupasse, mesmo sem saber o porquê da tristeza. Ele, totalmente entregue ao abraço, beijou-lhe o pescoço - com esses beijinhos murchos de quem sofre.

Eles se entreolharam com os olhos cheios de água. Ela não conseguiu dizer nada mais. Despediu-se com a cabeça e se foi. Ele seguiu-a com o olhar.

Ao sair do restaurante, ela sentia o peito repleto de luz, sensação boa, mas que lhe causava dificuldade para respirar. Ele, sentado naquela mesinha, só e perplexo, sentia-se aliviado, como se houvessem desfeito o nó que lhe apertava a garganta.

sábado, 17 de janeiro de 2009

And the oscar goes to...

Fui à Tunísia. Desci num aeroporto que fica entre as cidades de Cartago e Hammamet. Um ônibus nos esperava para levar-nos ao hotel em Hammamet. Descobri que essa pequena cidade possui mais de quinhentos hotéis. Pasmem. Mais de quinhentos!

A partir de Hammamet, pode-se fazer várias viagens e rotas turísticas. E eu entrei na onda. Viajei mais de dois mil quilômetros nos primeiros cinco dias. Fui a Túnez, a Cartago, a Keirouan (a terceira cidade mais muçulmana do mundo, depois de Meca e Jerusalém), a Matmata, ao lago salgado El Djerid, ao deserto do Saara, a Nabeul...

Conheci muitas cidades, muitas medinas (mercados labirínticos cercados por muralhas), muitos cheiros e sabores, muitas paisagens maravilhosas, muitas oliveiras e muito eucalipto.

Ao percorrer o país em direção ao sul, onde está o deserto, a paisagem vai mudando rapidamente, de verde à desértica. No entanto, as oliveiras nos acompanham por horas a fio, sem cessar. Acontece que a Tunísia é o quarto país produtor de azeite de oliva do mundo, depois de Grécia, Itália e Espanha, não necessariamente nessa ordem. E o segundo maior exportador do mundo.

A paisagem “aceitunera” é muito linda e lembra muito a Andalucía, o sul da Espanha. Aliás, as oliveiras são árvores muito especiais. Além de viverem até dois mil anos, são baixinhas e, geralmente, o tronco se divide em dois. Então, sempre me dão a impressão de serem um casal. Uma ramificação do tronco seria a mulher e a outra, o homem.

Bom, deixemos meu lado romântico de lado.

De Hammamet a El Djerid (o suposto lago salgado que, de outubro a março, mais ou menos, é chamado Deserto de Sal porque não chove) a paisagem muda drasticamente. O passeio começa com muito verde e muita pedra e acaba com dunas e areia fina, fina, que parece talco.

O interessante é que fomos parando em várias cidades e “pueblos” para conhecer e descansar. Pois bem, foi numa “cidade” (as aspas estão aí porque não é uma cidade no sentido ocidental da palavra) chamada Matmata que vivi uma das situações mais interessantes da viagem.

Matmata é um lugar típico por suas casas “trogloditas”. São casas construídas, ou melhor, escavadas, nas pedras. Aí vivem os povos berberes. Nosso ônibus parou em frente a uma dessas casas para que nós (turistas espanhóis, alemães, ingleses e eu), conhecêssemos.

Realmente, tais construções são interessantes. No inverno são quentinhas e aconchegantes. No verão, fresquinhas. Mas isso não foi o mais bacana. O bacana é que havia três mulheres e umas quinze crianças atuando para nós, para que tirássemos fotos e satisfizéssemos nossa ânsia de exotismo.

Foi engraçado. Chegamos, entramos na casa, e lá vem uma delas, como se fosse a coisa mais natural do mundo. Senta-se diante de um moedor de sêmola de trigo e começa a “moer”. Impressionante! Aquela garota merecia o oscar de melhor atriz!!! Era boa mesmo. Moia a sêmola como ninguém!

O fato é que era uma casa para turistas, decorada, com “atrizes” e “pequenos atores”. Mas, tudo bem. Todos saímos satisfeitos. Nós, com nossas fotos da casa troglodita. E eles, com as nossas moedinhas pesadinhas.

Não quero que isso pareça uma crítica. O turismo, muitas vezes, consiste nisso, em ver o que nunca se vê. Chegamos, vemos, tiramos fotos e deu. E o fato de terem uma casa troglodita preparada para os turistas me parece lógico e aceitável. Ainda que engraçado.

Então é isso. Tá tudo esquematizado. É assim que funciona.

Vai dizer que no Brasil é diferente? Fiquei sabendo que existem até visitas guiadas a favelas no Rio agora...

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Uma velha história


Caminhavam juntos, lado a lado. Fazia frio às margens daquele pequeno lago negro. Ele, apesar de saber de sua condição de mulher casada e de ser amigo de seu marido, se declarava apaixonadamente.

Ela, embora o pedisse que parasse, que respeitasse aquele santo matrimônio e os filhos frutos desse amor, gostava. Deliciava-se com as promessas daquele homem, tão forte e tão à mercê...

Ele, ao mesmo tempo em que lhe enchia de elogios e lisonjas, lhe pedia coragem. Coragem para reconhecer que deveriam estar juntos e não separados. Coragem para assumir verdadeiramente seus sentimentos e reconhecer que seu marido não passava de um acomodado que não reconhecia-lhe a beleza.

Ela, vaidosa, não era capaz de escutar-lhe a súplica. Concentrava-se em negar cegamente as juras de amor e admirar tamanha corpulência aos seus pés.

Ele queria entender o porquê de ela seguir encontrando-se com ele se, na verdade, não o amava. O que queria ela então? Fazê-lo sofrer, não permitir que ele pudesse esquecê-la? A vaidade faz parte, sim. Mas isso era crueldade. Nunca lhe havia dado uma resposta decisiva. Ele precisava de um sim ou de um não. Não exigia dela nada mais.

Mas ela, em sua ignorante presunção de mulher amada, não era capaz de compreender. Não queria parar de encontrar-se com ele. Era tão lindo, grande e frágil. Ajoelhava-se e implorava-lhe o amor. Num desejo tão grande... uma sensação que ela jamais havia sentido.

Precisavam um do outro. Ele, por ter descoberto, depois de tantos anos, o amor; o encantamento surrealista da paixão. Ela, por experimentar, por primeira vez, a idolatria de um homem e o prazer de ver-lhe ali, dia após dia, numa incansável luta de conquista.

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Taí, gostei.

Outro dia, meu pai me mostrou esse texto. Está publicado no blog de Janer Cristaldo, um gaúcho que escreve muito bem e que, pelo visto, desfruta da vida como ninguém. Gostei muito, tanto que resolvi publicá-lo aqui.


DESDE O FUNDO DO POÇO À UMA VIDA PLENA DE GRAÇA.

De Janer Cristaldo


Senhor pastor:

Houve época em que cri em um deus onipotente e salvador e muitas vezes a ele orei por minha salvação, pela salvação de meus próximos e mesmo da humanidade. Foram meus dias de adolescência, pastor. Justo naqueles dias, fui assaltado pelo clamor, não dos povos – como fala o Livro – mas pelo clamor da carne, clamor tirano, imperioso e impossível de ser domado. Por melhores propósitos que fizesse, acabava dominado pelos ditos prazeres da carne. Dizem que a carne é fraca, pastor. Nada disso, a carne é forte. Fraco é o espírito, que sempre acaba cedendo à carne.

Entrava em pânico, via à minha frente as chamas eternas do Hades, onde tudo é choro e ranger de dentes. Me sentia condenado ao convívio com demônios. Arrependia-me, fazia atos de contrição, confessava meus pecados a sacerdotes e recebia a absolvição. Por um dia ou dois, conseguia viver sem pavores. Mas não mais que um dia ou dois. No terceiro, eu já estava pecando de novo. As noites de tempestade eram noites de pavor. Talvez fosse megalomania. Mas cada raio que caía, eu sentia que era dirigido a mim.

Eu era pobre, pastor. Filho de camponeses, nunca tive facilidades em minha infância. Muito menos na adolescência. Fiz minhas universidades mal tendo dinheiro para o restaurante universitário. Vivi em repúblicas abomináveis, pequenos apartamentos, sem grana suficiente para tomar um vinho decente. A bebida mais ao alcance de minha boca era a mais barata, a cachaça. Ainda adolescente, tomei grandes porres de cachaça. Naqueles dias de pouca grana, bebia muito e bebia mal. Em minha juventude, pastor, eu estava no fundo do poço. O senhor Jesuis era um encosto em minha vida, despacho de catimbó feito a Exu, praga rogada por urubu para infernar meus dias.

Foi quando então, pastor, durante três dias e três noites, li atentamente a Bíblia. Foram dias em que quase não comi. À noite, pegava um cavalo em pêlo, sem freio nem buçal, e saía a galopar nas madrugadas, olhando o céu estrelado e esperando ouvir daquele universo magnífico alguma resposta. Não ouvi nada, pastor. Foram três dias e três noites decisivas em minha vida. A partir da leitura do Livro, tornei-me ateu. Aquele deus proposto pelas Escrituras, que se pretendia criador daquele firmamento esplêndido e cravejado de estrelas, que só vemos na pampa ou no deserto, sempre longe das cidades, não me convencia. Aquele deus matava e exterminava, mandava matar e exterminar. Não me servia.

Disse então a mim mesmo: sai de mim, Coisa Ruim! Me larga, ó Espírito Castrador, sai de minha vida, ó Supremo Estraga-prazeres! Desapareçam de minha vida vocês três, o Pai, o Filho e o Paráclito. E a Mãe também, antes que me esqueça. E todos os santos do céu e todos os padres de todas as igrejas. Xô, Espírito Imundo, xô, Assassino de Povos. Ouste, Pai das Doenças e Exterminador de Nações. Rua de minha alma, ó velho Deus castrado!

Então, pastor, tudo mudou em minha vida. Saí do fundo do poço, rumo à luz do bocal. Mulheres começaram a cair-me dos céus, justo daqueles céus mudos aos quais eu pedia perdão por meus pecados. Como perdera a noção de pecado, nunca mais pequei. Tornei-me um santo homem e procurei imitar os bíblicos patriarcas. Curti plenamente os prazeres que tanto apraziam ao rei Davi, ao rei Salomão, à Sulamita. Verdade que nunca consegui sustentar setecentas mulheres e trezentas concubinas. Mas fiz o que estava a meu modesto alcance.

Por mais de quarenta anos, as mulheres me caíram nos braços como o maná caiu do alto por quarenta anos para saciar a fome do Povo Eleito. Comecei minha vida afetiva com duas, às quais muito amei. Por circunstâncias dos dias, perdi uma. Vivi quatro décadas de muito carinho e cumplicidades com a segunda. Fui feliz em meu casamento. Divórcios, separações, o espírito do ciúmes, amargura, traições, nunca rondaram minha existência.

Quando minha amada partiu, não acusei deus algum, afinal não acreditava em nenhum. Estas duas primeiras amadas logo se multiplicaram por dois, cinco, dez, vinte, cinqüenta. Não saberia dizer quantas, nunca contei. Mas digamos que a metade da “listina” de Leporello. Corri atrás delas com a hybris de um fauno grego, para compensar os dias de vacas magras e sem leite de minha juventude. Após deixar de crer no tal de deus, minha vida foi uma profusão de prazeres. Corri nu atrás de valquírias nuas pelos bosques de Estocolmo, em plena luz da meia-noite. Isto, pastor, teu deus não confere aos mortais, exceto se forem majestades apaniguadas pelo Senhor. Isto é ventura só concedida pelos deuses lúbricos do Valhala. Tack tack, Odin!

Uma vez descrente, apesar de pobre consegui educar-me. Fiz duas faculdades, três pós-graduações no Exterior, viajei por todos os países da Europa, por mais alguns do Leste europeu, pela África, Estados Unidos, Canadá e América Latina. Nasci nos peraus do Upamaruty, em um rancho de pau-a-pique e fiz doutorado em Paris. Consegui escapar de meu pequeno mundinho e sai a navegar pela vastidão do anecúmeno. Au bord’elle, la Seine, conheci uma peoniana adorável, a quem dediquei minha tese. Havia também Úrsula, uma polonesa, que me sussurrava: “mon ours tropical”. Música para meus ouvidos.

Não cheguei a amar a filha de Faraó, muito menos moabitas, amonitas, edomitas, sidônias e hetéias, como o sábio rei Salomão. Mas tive namoradas lindas em várias cidades do mundo. Desde suecas a francesas. Desde macedônias até mesmo a turcomenas e usbeques, passando por polonesas e russas. Adorei a turcomena. Era de Achkhabad, palavra que soava deliciosamente à minha fome de exotismo. Uma vez ateu, fascinou-me a idéia de ouvir mulheres gemendo em línguas que desconheço. E as ouvi. Paris sempre foi pródiga em estrangeiras de todos azimutes e não recusei o que a cidade generosamente me oferecia. Tive do bom e do melhor, como dizem suas ovelhas, senhor pastor. Mas só depois que deixei de crer.

Ateu, fui abençoado com dinheiro e vida confortável. De camponês tosco, tive acesso a línguas, à filosofia, à literatura, à música erudita, a óperas, em suma, ao dito mundo da cultura. De Teixeirinha passei a Mozart, de Luiz Gonzaga a Bizet. Abandonei a cachaça e passei a cultivar bons vinhos e bons uísques. Do mondongo fui promovido ao foie gras, do arroz com feijão às andouilletes. Curti a boa gastronomia da Espanha, França, Itália, Alemanha, Portugal. Percorri as cidades mais esplendorosas do Ocidente. Vivi em três prestigiosas capitais da Europa e em quatro grandes capitais de meu país.

Perambulei por paisagens magníficas, que me fizeram chorar. A beleza extrema sempre me provoca lágrimas. Andei pelo deserto, por oueds, montanhas, dunas, fjords, rias e ventisqueros. Chorei nos Andes, chorei nos Alpes, chorei no Saara, chorei nas costas da Noruega, chorei no Estreito de Magalhães. Chorei também em Santorini. De Madri, saí chorando. Eu estava em uma bodega, tudo era cores, dança, música, canções, madriles lindas, muito vinho, odores de assado bom, os sons rascantes de uma língua que adoro.

Quando me dei conta que, dali a duas horas, estaria voltando ao Brasil, chorei como um terneiro desmamado. Fui chorando até o aeroporto. Não porque estivesse voltando ao Brasil. Mas porque estava abandonando a festa. Dentro de pouco eu estaria voando, espremido num assento apertado, rumo a um país sin flamenco ni cante hondo, sin bailaoras ni cantaores, sin cochinillos ni lechales. Na bodega, continuariam todos cantando e dançando, comendo e bebendo. Muito chorei em minha vida, pastor. Raras vezes de tristeza. O mais das vezes, foi por deslumbramento, perplexidade ante a beleza. Felicidade também nos faz chorar. Choro também com certas árias de Nabucco, Carmen, Don Giovanni, Norma.

Depois que abandonei o tal de Deus, senhor pastor, passei a viajar quase todos os anos à Europa. (Quando nele acreditava, só conseguia ir de Dom Pedrito a Ponche Verde). Fiz pelo menos cinco travessias divinas do Atlântico – com perdão pelo trocadilho – de navio. Sabe, pastor? Aqueles navios cheios de Emmas Bovarys sedentas para conhecer o mundo e experimentar emoções outras que não as medíocres emoções proporcionadas pelo Charles. Vivi grandes momentos, “ao quente arfar das vibrações marinhas”, como canta o poeta. Fiz cruzeiros também divinos pelo Mediterrâneo, pelo Báltico, pelo mar do Norte e pelo mar Negro, pelo Egeu, pelo Adriático e pelos Canales Fueguinos.

Durante pelo menos uns trinta anos, sempre celebrei a bona-chira nos mais antigos e acolhedores restaurantes da Europa, com minha Baixinha adorada. Agora que ela partiu, ora a celebro com minha filha, ora com alguma namorada. E com meus amigos. Bastou-me abandonar Deus, pastor, e minha vida se tornou repleta de bênçãos, que me caíam dos céus em catadupas.

Fui salvo por minha descrença, pastor. Quando cria em Deus, era um adolescente fodido e sem nenhum vintém. Não tinha nem como convidar uma amiga para um bom jantar. Bastou-me deixar de crer e a vida se tornou linda. Cheguei aos sessenta jovem e cultivando minhas antigas amadas. Não tenho carro, nem nacional nem importado, como ostentam vossos crentes, é verdade. Mas isto é opção minha. Com carro não se vai longe. Ora, eu gosto de ir longe.

Sem ser rico, vivo bem. Não tenho contas em vermelho, nem nome sujo na praça, nem problemas na justiça. Jamais fiz empréstimos. Não sei o que seja um cheque sem fundo. Muito menos problemas familiares. Hoje, minhas únicas dívidas são luz, água e condomínio. Vivo em bairro bom, prédio ótimo, apartamento confortável. Ano passado, regalei uma antiga namorada com uma viagem a Paris, Barcelona e Madri. Com uma noite em Bruxelas, só para curtir um café que adoro.

À minha filha – doravante designada Primeira Namorada – dei de presente os fjords noruegueses, o sol da meia-noite, Estocolmo e o arquipélago de Estocolmo e de novo Paris. Na próxima primavera européia, estou combinando um giro pela Itália com uma amiga da Finlândia. No outono, penso partir com a Primeira Namorada rumo a Madri e às ilhas Canárias. Madri porque não concebo ir a Espanha sem visitar Madri. Ilhas Canárias, porque quero passear entre os vulcões de Lanzarote e comer carnes assadas no calor das lavas.

Por vários anos vivi soterrado no fundo do poço. O senhor Jesuis sempre foi um atraso em minha vida. Tudo só se tornou lindo, divino e maravilhoso quando o abandonei. Sei que o senhor pastor, por questões de fé, neste ano que começa, não poderá gozar dos prazeres que gozei e gozarei ainda.

Seja como for, bom 2009, senhor pastor.

Olé!



Comecei a dançar flamenco!!!

Ainda estou bem no início, aprendendo passos básicos, palmas, "taconeos", compassos...

Mas estou amando! A postura, o sentimento, o ritmo. É um esforço tremendo, até porque faz anos que não pratico uma atividade que me exija tanta coordenação motora. Tenho que estar o tempo todo super concentrada, senão me perco.

Além de liberar a tensão do dia-a-dia, de mexer o esqueleto, de suar, de dançar... me faz bem para a cabeça, pois esqueço as preocupações.

Olé!

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

o outro


Ouvi em algum lugar que, quando amas muito, emanas cheiro de flores... então, quando as pessoas passam perto de ti, sentem... e se encantam... e se aproximam...

Que papo mais brabo!

Posso acreditar, não posso?

Em que?

Pô, achei bonito...

Bonito, o que?

Você bem que podia ser um pouco menos corta-barato, não?

Eu?

É, tu. Me deixa em paz.

Eu, heim.




Compreender o próximo... eterno desafio.

Relação Espaço-Tempo


Um copo, com vinho branco até a metade, repousa tranqüilo.

Ao lado, um saleiro, um perfume, um isqueiro, uns cigarros, uns cremes para as mãos e uma pilha de papéis..

Um carlton aceso, no cinzeiro, ao alcance da mão esquerda.

Um flamenco sofrido toca ao fundo. No fundo.

Duas laranjas doces esperam. Uma janela quase fechada. Uns amigos - ou não - vão por aí.

Oito metros quadrados. Esse é o espaço. Nada mais. Parece pouco. E é.

Mas...

tem mandioca, queijo, leite, arroz, azeite, atum, macarrão, roupa, sapato, carregador de pilha, incenso, música, cheiro e sonho.

O espaço, assim como a geladeira e o tempo, se distende...

domingo, 11 de janeiro de 2009

Sempre gostei de biografias


Desde pequena, sempre gostei de ler biografias. Depois, mais grandinha, me apaixonei pelos documentários. Em seguida, decidi que queria estudar jornalismo porque gostava das histórias reais. Hoje, amo cada vez mais a literatura, a ficção.

Sem deixar em segundo plano a realidade, descobri o prazer na mentira. Mentira boa, sem culpa. Essa mentira a que me refiro pode ser entendida como, por exemplo, um quadro de Picasso, uma música do Chico, um poema de Augusto dos Anjos, um personagem de Shakespeare...

As “histórias de vida” seguem me encantando, as verdadeiras. Mas sempre quando contadas com uma pitada de arte. Qualquer uma das sete, tanto faz.

No jornalismo diário, por exemplo, uma boa história não basta. É necessário que o texto tenha “molho”, tenha encanto, seduza o leitor. E isso quem me ensinou foi um amigo-professor gaúcho de enorme talento.

No cinema, um bom roteiro não é suficiente. Na pintura, tintas, pincéis e tela não são suficientes. Na poesia, uma boa idéia ou boas rimas não são suficientes. E por aí vai...

Na vida real, cotidiana, as coisas vão acontecendo num ritmo mais distendido, mais lento. E isso dificulta a capacidade de identificar as boas histórias. Vivemos, todos, coisas dignas de serem contadas. O difícil é, durante esse processo, conseguir vê-las e contá-las com sal, com pimenta.

Bom, enquanto seguimos cegamente emergidos no processo e sem lucidez para ver poesia no que acontece ao nosso redor, nada melhor do que recorrer às boas mentiras.

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Botando pra fora...



E sem acreditar que nevou em Madrid...

E sem acreditar que meus coroas já estão longe...

E sem acreditar que a rotina está de volta...

Mas muito, muito feliz.

A cidade toda branquinha, meu peito cheio de amor e a vontade de que 2009 seja ainda mais fantástico que 2008.

Feliz 2009 pra todos!!!