quinta-feira, 26 de março de 2009

A história do acidente

Era uma noite de sábado e eu tinha combinado de encontrar uma amiga que não via há tempos, numa festa no Lago Norte. Cheguei sozinha. Ela já estava lá, com o namorado, me esperando. Haviam centenas de carros espalhados por todas os conjuntos vizinhos ao da festa. Pois bem, estacionei longe e enfrentei uma fila de uns vinte minutos até conseguir entrar. Fora o fato de eu estar sozinha diante de um casal de apaixonados, estava tudo bem. A festa transcorreu tranqüila.

Em um determinado momento, comecei a conversar com um gatinho e tal... conversa vai, conversa vem... já sabem...

Umas cinco e meia da manhã, mais ou menos, saímos da festa e fomos para a rua onde estava o meu carro. Descemos até a beira do lago e ficamos vendo o dia nascer.

Passados alguns minutos, vejo um rapaz, muito bêbado, tropeçando ladeira abaixo. Ele desceu cambaleando, se escorando nos portões. Me perguntei se devíamos fazer algo ou não. O que fazer? Chamar um táxi, falar com ele, oferecer ajuda, sei lá...

O cara passou por nós outra vez. “Está perdido e procura o carro. Tomara que não encontre”. Ele subiu a rua de novo, virou à direita e seguiu. Uns cinco minutos depois, passava em direção contrária.

Eu não saberia precisar quanto tempo ficamos ali, vendo o sol nascer no final da rua, olhando pro lago. Acho que meia hora, mais ou menos... Quando o gatinho foi me deixar no carro ainda fazia bastante frio, era a primeira hora da manhã - essa hora em que as padarias abrem. Nos despedimos, ele entrou no seu carro e saímos juntos da quadra.

Eu ia à frente. Ao virar à esquerda, já para pegar a pista principal, vi que havia uma ambulância parada do outro lado da pista. Vi também um corpo estendido na calçada, coberto por um lençol branco. Fiquei gelada.

Voltei pra casa com uma sensação super estranha, um peso no peito. Dormi. Os domingos sempre foram difíceis. Esse foi só mais um deles.

Na segunda-feira de manhã acordei cedo pra ir trabalhar. Como de costume, fui até a caixinha de correios e peguei o “Correio”. Comecei a folhear o jornal despretensiosamente, lendo as manchetes. De repente bati o olho numa foto.

Era aquele rapaz bêbado. Algemado, cabisbaixo. Saía da delegacia escoltado. Havia gente tentando agredi-lo. Eu não podia acreditar. Comecei a tremer.

Era o dia do aniversário de 80 anos daquele senhor. Ele havia saído para comprar o pão enquanto a sua esposa preparava a casa. Era dia de churrasco de comemoração. Toda a família foi convidada. Acontece que, quando voltava pra casa, caminhando tranqüilamente pela calçada, foi atingido por um carro, que seguiu sem prestar socorro. Ás oito da manhã, o carro foi encontrado na garagem de um prédio no Sudoeste. Vidros quebrados, pneus furados. Ele cruzou a cidade depois de atropelar uma pessoa. E foi dormir.

Na terça, a primeira coisa que fiz foi buscar o jornal. Havia uma nota. Os exames de álcool no sangue davam negativo.

quarta-feira, 25 de março de 2009

O país do carnaval!

Ontem, pra aula de português, levei um texto que falava sobre alguns “tipos” brasileiros. O caboclo, o pantaneiro, o seringueiro, o gaúcho, o caiçara... Levei também um mapa e os alunos gostaram bastante. Aí, cheguei em casa e fui pesquisar sobre os estereótipos dos brasileiros, tipo carioca, mineiro, baiano, paulista... E me deparei com artigo de umas psicólogas do Rio. “Viajando com jovens universitários pelas diversas brasileirices: representações sociais e estereótipos”, pra quem quiser arriscar.

Dei uma lida e curti porque, na verdade, me dei conta do tanto que esses estereótipos estão entranhados dentro de nós. Me dei conta também de que, freqüentemente, recorro a eles ao falar do brasileiro. O baiano é preguiçoso, o cearense é cabeça-chata, o mineiro é come-quieto, o paulista é branquelo, o carioca é malandro e o gaúcho é macho! hehehe

Mas a verdade é que os estereótipos existem em todas os lugares e não é nada mais do que uma maneira de se identificar com uns e se diferenciar de outros. Gosto de observar os estereótipos madrileños, por exemplo. Os junkies da praça Dos de Mayo, os playboys do bairro de Salamanca, os rastas de Lavapiés, os gays de Chueca, os estilosos de Malasaña, os gitanos, as velhinhas de Goya, os fashions e seus bulldogues, os sudacas, as putas da Montera, os franceses e seus pic-nics no Retiro, os chinos por todos os lados...

Sei que não soa politicamente correto... mas é assim. Acho que os estereótipos, quando não usados de maneira preconceituosa ou discriminatória, são uma maneira de identificar as diferentes “gentes”.

Me lembro de estar caminhando com o Juliano em Amsterdam e ver dois caras, longe, longe, caminhando em nossa direção. Eu bati o olho e disse: são brasileiros com certeza. E digo mais, cariocas! O Ju rio e concordou. Não deu outra, quando passaram por nós comprovamos a tese. Eram os típicos surfistas do Rio, de bermuda, camiseta e havaiana, com um andar balançado, malandro... hahaha

Eu sei, eu sei... mas é verdade!

E tem a história do baiano que queria vender um refri pra Natália em vez do suco de laranja natural que ela havia pedido. “É que tem que ir lá na cozinha, espremer...” Só faltou ele dizer: é que me dá uma lezeira... hehehe Brincadeira!

Agora falando sério, já que eu sou de Brasília e lá só tem filho de político – e os políticos são todos corruptos – posso ser politicamente incorreta, né?

quinta-feira, 12 de março de 2009

O fim da crise


Ainda não havia chegado a primavera, mas, inexplicavelmente, o clima era de verão. Quando, naquela manhã de sábado, de repente, o sol saiu, as pessoas pareciam agradecer aos céus. Saíram aos montes às ruas, a povoar as praças e os parques. No domingo, de novo o mesmo clima: sol forte, céu azul e nenhuma nuvenzinha pra contar a história. Enquanto curtiam o “verão” já se ouviam rumores pessimistas de que aquilo não duraria muito, logo viria o frio de novo. E, teoricamente, até maio não há escapatória. O frio voltaria, assim como os casacos de couro, os cachecóis e as luvas.

No entanto, os dias foram passando lentamente, um trás outro, com o sol lá no alto, brilhando. As praças seguiam cheias de gente. Depois de meses de brancura extrema – exceto pelos turistas italianos que desfilam sempre com seus bronzeados alaranjados quase nada artificiais – já se podia ver rostos rosadinhos e ombros de fora.

Os dias foram ficando mais largos rapidamente. Parecia que cada dia amanhecia um pouco mais tarde e o sol se recusava a dormir tão cedo. Permanecia lá no alto, forte e imperioso. De repente, como num passe de mágica, as flores brotaram e encheram a cidade-cinza de cores e cheiros. Os rostos se iluminaram e os corpos começaram a ser mostrados. Canelas, pés, braços, pescoços.

A luminosidade dourada abriu as janelas e as cortinas. Gentes nas varandas e música. Cervejas e picolés aos litros e quilos. Vozes, risadas e os gritinhos agudos dos pequenos. Patins, bolas, bicis, peões. Vestidinhos, bermudinhas, sandalinhas. Vida, muita vida.

E, de repente, todo mundo parou de falar na crise.

quinta-feira, 5 de março de 2009

It’s hard to be a woman



Ontem fui com o Henrique - recém chegado a Madrid, encantado com tudo – à Sala Barco. É um lugar bem bacana onde, às quartas-feiras, sempre rola uma jam session, ou seja, os músicos vão se revezando e o público agradece. Tanto pela variedade quanto pela qualidade. É jazz.

Eu curto muito porque, além de ser logo aqui na esquina, nunca está muito cheio e é um ambiente bem civilizado. Digo “civilizado”, mas não me entendam mal. É que se trata de um lugar aonde as pessoas vão para escutar a música, tomar a sua cervejinha e dar aquele respiro entre-semana, aquele gás para seguir com a rotina.

Mas a história que eu ia contar era outra.

Lá sempre canta uma garota que é muito boa. Além de cantar muito, é simpática, tem atitude, presença... sério, eu nunca entendi como pode sair tanta voz de um corpo tão franzino. Eu sempre “me pongo la piel de gallina”, me arrepio. É que se fecho os olhos posso tranqüilamente imaginar que estou diante de uma negra norte-americana numa New Orleans dos anos cinqüenta.

Enfim...

Ontem a coisa foi diferente. Eu e o Hique estávamos esperando que ela subisse pra cantar. Eu já tinha feito um baita marketing e, eis que, de repente, não mais que de repente, logo atrás dela, sobe um garoto. Era um cara novinho, duns vinte e poucos anos. Beleza. Até aí tudo bem. Começam a tocar. Ele começa a cantar. Massa. Cantava direitinho. Mas aí chega a vez dela e ele, com uma ansiedade de novato, atropela geral. Passa por cima. Esculhamba.

Ela sorriu meio sem graça e se calou. Ele seguiu, feito um menino que ganha um presente novo, cantando. Passa o refrão. Vem o solo dos músicos e chega a vez dela de novo. Dessa vez, ele inclusive apontava para ela, como quem diz “te toca a ti”, é a tua vez. Ela, sempre sorrindo, começou a cantar:

It’s hard to be a woman… It’s hard to be a woman…

Pois foi justamente nesse momento que o infeliz interrompeu de novo: Yeah, it’s hard to be a woman... oh, yeah.... hard, hard, hard… woman, woman, woman…

Eu, nesse momento, olhava atônita pro Hique e, confesso, se estivesse no Brasil, teria gritado: Fora! Fora! Mas me calei. Fiquei parada, com a boca aberta, observando a cara de “si te pillo te mato” da garota. Ela tentou, mas não conseguiu disfarçar o incômodo. O cara era um menino. Isso pra não dizer “moleque”.

Bueno, o fim da história eu acho que vocês podem imaginar... Ela não conseguiu cantar. Ele passou por cima sempre que pôde. A canção acabou e ela desceu do palco. Mas em sua testa estava escrito: Eu não disse? It’s hard to be a woman!