segunda-feira, 8 de junho de 2009

Milonga triste


Estávamos sentados numa mesinha bem no fundo daquele galpão. Os músicos, do outro lado do salão, às gargalhadas, tocavam uma velha milonga. O ambiente estava escuro e enfumaçado, como de costume. No meio do salão, casais apaixonados e amantes do tango dançavam coladinhos, num vai-e-vem incessante. Eu podia ouvir os roces dos vestidos contra as calças, podia sentir aquela mistura de perfumes femininos no ar, podia provar o teu desamor.

Aquelas horas que passamos ali, um ao lado do outro, em silêncio, foram das mais duras. Eu não queria entender, não queria aceitar a tua verdade. No fundo, no fundo, eu sabia exatamente o que me aguardava, mas eu simplesmente preferia ignorar e alimentar qualquer doce esperança tola.

Você estava nervosa, olhava para o chão, girava os anéis nos dedos, rasgava guardanapos, fumava um cigarro atrás do outro. Não era capaz de me olhar nos olhos. Usava sua franja como artifício para esconder os olhos e assim ganhava mais tempo, tempo para decidir como me arrasar da maneira menos dolorosa.

Faço o esforço de me colocar no seu lugar e reconheço que não é fácil dizer “eu nunca te amei”. Mas isso, se você quer saber a verdade, não me serve de consolo. Não me alivia o peito nem me seca as lágrimas.

E me pergunto como você pôde ser tão fria. Enquanto meu mundo ruía, você permanecia inabalável, séria e com os olhos secos postos em mim. Eu estava diante da maior paixão que jamais vivi e não conseguia dizer nada em minha própria defesa. Foste demasiadamente clara para que eu pudesse pronunciar qualquer palavra de súplica.

Hoje, sentado na mesma mesinha do fundo, choro. Escuto outras velhas e tristes milongas e sofro pelo teu não-amor. Ser amado é difícil, eu sei. O meu amor te sufocou e eu entendo tua partida. Mas a ausência de amor é o pior que se pode provar.

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Solitário Jorge


Jorge é uma tartaruga. O último da sua espécie, originária das Ilhas Galápagos. Estima-se que o jovem rapaz tenha uns 110 anos, aproximadamente. Levando-se em consideração que as tartarugas chegam a viver mais de duzentos anos, ele está na flor da idade.

Aí botaram o Jorge em contato com tartarugas fêmeas de espécies (reinos, filos, famílias, sei lá) parecidas, para tentar reproduzir. Após meses de expectativa, os pesquisadores identificaram que uma dessas tartarugas tinha posto nove ovos. Surgia então, a esperança.

No entanto, o tempo passou e nunca saíram tartaruguinhas daqueles ovos. Tempos depois, outra fêmea botaria ovos. De novo, nada.

Descobriram que Jorge é infértil.

O último exemplar da espécie, a última esperança, não pode reproduzir. Ironias do destino.

terça-feira, 2 de junho de 2009

A volta - por cima.

Juja, tá difícil escrever sobre a chegada. Mas vou tentar.

Depois de passar pelo controle da polícia, ainda no aeroporto de Madrid, senti um vazio. Chorei muito, sem saber o porquê. Era uma mistura de alívio e tristeza. Mas logo me acalmei e dormi o vôo inteiro. Aí cheguei!

As duas primeiras semanas foram só farra. Rever os amigos, bater papo com os coroas, comer a comidinha da mamãe, ir à praia (sim, fui ao Rio, que, por sinal, continua lindo!), tomar sol, ceveja, dançar...

Ainda tô chegando, me acostumando a morar em família outra vez, a dirigir, a fugir das blitzes, sei lá. Por outro lado, chegar é maravilhoso. Parece que velhas e tolas ilusões se desintegram, escorrem entre os dedos. Como uma doce e suave pitada de realidade e pé no chão.

Me lembro de toda a expectativa que vivi antes de ir pra Espanha e como a vida lá foi real. Sabe? Acho que na volta rolou algo parecido. Expectativas piscianas - como se eu tivesse esquecido como é o Brasil.

Sair de uma realidade e entrar em outra, dói. Mas é tão bom!!! O melhor talvez seja a mudança de perspectivas. Caí da cama, acordei. Mas gostei de ver o que estava diante dos meus olhos. Agora deixo as lembranças adormecidas seguirem adormecidas. Prefiro escrever um novo capítulo, mais fresco, mais belo e mais meu.

Se é que você me entende...

Beijos no coração.