Entrei em trabalho de parto `a uma e vinte da manhã do dia 22 de abril de 2010. Ainda não sabia, mas esse viria a ser o dia mais importante da minha vida. Ainda meio insegura, sem querer acreditar que estava em trabalho de parto, voltei pra cama e resolvi relaxar. Eu sabia que nos dias que antecedem o parto, muitas mulheres passam por alarmes falsos, achando que estão prestes a dar a luz quando na verdade não estão. Então, durante as três horas seguintes, fiquei contando o espaço de tempo entre um contração e outra, cochilando nos intervalos. Uma contração a cada dez ou onze minutos. Eu sabia que se fosse mesmo o trabalho de parto, ele estava apenas começando. Tentei dormir mas não consegui. Senti que estava perdendo líquido. Fui ao banheiro, fiz xixi e pronto: lá no fundo da privada estava ele, o tão esperado tampão. Ainda assim, fiquei em dúvida. O aspecto do meu tampão, ou do que suponho que fosse, não era como me haviam descrito.
Voltei pra cama e comecei a pensar: dia 22 de abril. Nada mal. Belo dia pra Gigi nascer. Eu sempre gostei mesmo dos números pares. 22.04.2010. Além do mais, eu tinha certeza que ela seria taurina. Pronto, Gigi, já entramos no signo de touro. Pode nascer!
`As três da manhã, me convenci: estava realmente em trabalho de parto. Estava tão agitada na cama, levantando de dez em dez minutos, que Dudu acabou acordando. Contei pra ele que acreditava que estava em trabalho de parto. Ele se levantou e foi checar uns emails. Só voltou pra cama por volta das seis da manhã. Eu permaneci deitada, sentindo as cólicas e tentando dormir, até as dez da manhã, quando me levantei e liguei pra parteira. Conversei com ela, disse que estava tudo bem, que ainda deveria estar bem no início do trabalho de parto, que me sentia tranqüila. Combinamos que ela viria me ver no início da tarde, `as duas.
Desci por volta da uma da tarde. Fomos dar uma caminhada e aproveitar pra comprar a mangueira que faltava para esvaziar a piscina de parto. A essa hora minhas contrações vinham de cinco em minutos. Ainda fomos no restaurante da comercial porque, embora eu não estivesse com fome, Dudu precisava comer pois tinha ensaio de tarde. Aliás, ele tinha um compromisso bastante importante: um show em comemoração ao aniversário de Brasília no início da noite, `as sete e meia. Bom, almoçamos e voltamos pra casa. Eu havia ligado pra minha mãe e pedido pra ela vir por volta das duas, hora que ele sairia pro ensaio. Pedi que trouxesse frutas, inclusive maracujá – porque ajuda a baixar a pressão – e água de coco. Eu estava absolutamente tranqüila, feliz. Não posso dizer o mesmo da minha mãe. Ela estava nervosa, mas até que disfarçou bem. Ficamos as duas sozinhas em casa, batendo papo e enchendo a piscina. Na verdade, ela encheu sozinha, com uma bomba manual que eu havia comprado dias antes. Um pouco mais tarde chegou Paloma, a parteira. Ela mediu a minha pressão, conversamos um pouco e ela fez um exame de toque. Eu estava com três a quatro centímetros de dilatação. Fiquei feliz de saber. Eu tinha consciência de que ainda faltava muito para o parto. Mas aquilo era um indício de que as coisas realmente estavam evoluindo como esperávamos. Paloma saiu para levar o filho pra aula de futebol e ficamos, eu e minha mãe, novamente sozinhas. Nessa hora, liguei para a doula, Manuela, e avisei sobre o andamento do trabalho de parto. Disse que estava bem e pedi que viesse somente no fim da tarde. Ela me disse que estava no colégio (Moara) onde dá aulas e que viria então no fim do expediente. Ok. Paloma havia indicado que eu tomasse um suco de maracujá com alho – para abaixar a pressão. Minha mãe preparou e eu, obedientemente, tomei, embora minha pressão não estivesse alta. Botei o disco da Buika (mi niña Lola) pra tocar e fiquei tranqüila, tomando o suco, relaxando e deixando as contrações virem. Por volta de quatro e meia da tarde, Dudu chegou do ensaio e, segundo ele, o astral do apartamento já era outro. Parecia estar mais quente, mais amarelo, mais silencioso. Ele começou então com o processo de encher a piscina. Com uma mangueirinha, puxamos água do chuveiro. Pra ajudar, Paloma enchia panelas de água e esquentava no fogão. Acho que ficamos quase duas horas nesse processo de enchimento da piscina. Enquanto isso, eu tentava caminhar pelo apartamento e fazer exercícios na bola suíça para acelerar o trabalho de parto. As contrações agora vinham bastante fortes, já não eram mais simples cólicas. Entre uma contração e outra eu ainda conseguia falar, conversar. A partir daí, a coisa se tornaria mais difícil. Por volta de sete horas da noite, a Manu chegou. Me lembro de estar no meio de uma contração. Ela, muito delicada como sempre, aguardou o fim da contração pra falar comigo. Me contou que havia trazido o “pão da Gigi”, pois durante a tarde, com seus alunos do maternal, havia preparado um pão para a Gigi. Me contou que explicou para as crianças que havia um bebezinho que estava chegando, que ia nascer. Fiquei emocionada com o gesto. Só de pensar em um pão preparado por um monte de mãozinhas pequeninas, para um bebezinho que estava por chegar... me arrepio.
Bom, pouco depois disso, entrei na piscina. Ela estava bastante quente e foi preciso que acrescentássemos água fria. O alívio foi instantâneo. Nesse ponto as contrações eram doloridas a ponto de eu não falar mais entre uma e outra. O espaço de tempo entre elas também havia diminuído para dois ou três minutos, o que me exigia concentração. Eu precisava me concentrar no meu próprio corpo se abrindo, precisava respirar, relaxar, deixar doer... Eu sabia que, se ficasse tensa, doeria cada vez mais. Eu só respirava, gemia e pedia ajuda aos céus. Paloma me pedia para ir ao banheiro de tempos em tempos. Alem de fazer xixi, o fato de sentar na privada faz com que relaxemos os músculos da pelve. E isso ajudava a que novas contrações acontecessem, cada vez mais fortes. Já devia passar de dez da noite quando Paloma sugeriu que eu entrasse no chuveiro. A ideia era de que eu ficasse de pé, movimentasse os quadris, para ajudar na descida do bebê. O que aconteceu não foi bem isso. Entrei no chuveiro e me sentei no chão. Já não agüentava meu próprio corpo, a dor era tanta que nem conseguia abrir os olhos.
Fui para a Partolândia, essa outra dimensão, que só quem pariu sem anestesia sabe como é. Dudu tentava me ajudar, mas eu já não conseguia colaborar muito. Acho que esse foi um dos momentos mais difíceis. De repente, me deu uma vontade louca de fazer cocô. Ainda tive forças para pedir a ele que ficasse dentro do box – parturiente com pudor!!! Saí, fiz cocô e voltei pro chuveiro. Sentia muita dor. Resolvi que precisava a qualquer custo me deitar. Apesar de a Paloma e a Manu acharem que eu devesse ficar de pé, andar, me movimentar, eu me deitei na cama e desmaiei. Dormi por uns cinco minutos. Na verdade, essa parte eu não me lembro, me contaram depois. Eu simplesmente apaguei e não vi mais nada. Paloma disse que é normal que isso aconteça. É o corpo recuperando energias para poder continuar. E eu realmente precisava de energias.
Me lembro de, nesse momento, Paloma sugerir um “toque” para ver como andava o trabalho de parto. Hesitei um pouco mas aceitei. Me lembro de titubear nessa hora. Tinha medo de que ainda faltasse muito para a dilatação completa. Por uns segundos me arrependi, mas respirei fundo e aguardei. Paloma disse que eu já havia dilatado nove dos dez centímetros necessários, mas que ainda havia uma “borda” de colo de útero para dilatar. Nessa hora, devido ao meu cansaço físico e `as horas que levava, ela sugeriu algo novo pra mim. Era o seguinte: com luvas e lubrificante, Paloma inseria dois dedos na minha vagina e, durante as contrações, enquanto eu fazia força de expulsão, ela empurrava meu colo para trás. Nessa hora eu estava deitada na cama com as pernas abertas flexionadas na direção das minhas orelhas. Dudu segurava uma perna e Manuela outra. Lembro da minha mãe, no pé da cama, olhando pra tudo aquilo, perplexa. Dudu foi quem me ajudou a respirar e fazer força. Eu sentia tanta dor que mal conseguia distinguir quando estava tendo contrações e quando não. Ele falava no meu ouvido que eu tinha que me concentrar pra não desperdiçar energias quando viesse a contração; que eu tinha que respirar fundo, encher os pulmões e só então fazer a força. Quando me lembro desse momento, me emociono pois sei que foi um momento crucial. Paloma já havia dito que, se não evoluíssemos, teríamos que pensar na possibilidade de ir pro hospital. Eu, na verdade, não cheguei a me preocupar. Não sei se pela confiança no processo que estava vivendo ou se era a dor que me impedia de pensar em qualquer coisa. Se não fosse o Dudu pra me acalmar e me ajudar a concentrar as forças, não sei o que poderia ter acontecido.
Esse processo de dilatar o último centímetro foi muito doloroso. Não sei direito, mas acredito que ficamos pelo menos meia hora nessa função. Foi nesse momento que Paloma começou a ver a cabeça da Giovana. Ela mostrou pro Dudu também. Ver a cara dele, com um sorriso enorme, me dizendo que ela estava chegando, foi demais. Aí eu virei um bicho. Era tudo o que eu queria ouvir. Eu estava esperando por aquele momento. Me concentrei e, sempre com a ajuda dele, fiz força.
Pouco depois, Paloma sugeriu a posição de cócoras. Dudu ficou sentado na beirada da cama. Eu me sentei no seu colo, virada para fora da cama. A cada contração eu me agachava ate o chão, apoiada nele. Nessa altura do campeonato eu estava exausta, mas tirava forças de onde não tinha. Esse foi o sprint final. Acho que foram necessárias mais umas dez contrações para que Giovana viesse ao nosso mundo. A partir do momento em que a cabeça da Gigi começou a coroar, Paloma queria que eu pusesse a mão e a sentisse, para que me desse conta de que faltava pouco. Não sei o porquê, mas eu me recusava. Eu podia ver aquela cabecinha peluda refletida no espelho. Loucura!
Me lembro da Paloma dizendo que eu sentiria uma ardência na vulva durante a saída da Gigi. Dito e feito. A minha sorte é que, entre as contrações, me colocavam uma compressa quente. Santa compressa! O que acontece nesse momento de saída do bebê é que a mãe, além de querer que a criança saia logo, teme que ela retroceda. O bebê fica numa espécie de vai e vem, até sair definitivamente. Só sei que em um determinado momento, a Paloma pegou a minha mão e botou na cabeça da Gigi, que já estava bastante pra fora. Minha única reação foi soltar um abafado “incrível”! Era mesmo incrível que aquela cabecinha quente e peluda fosse a minha filhota prestes a chegar. Depois disso, mais uma ou duas contrações e tcharan! Gigi havia chegado.
No entanto, para nossa surpresa, ela chegou meio roxinha. Eu não estava entendendo nada até que a Paloma, que havia me posto a Gigi nos braços, me tomou ela e, massageando seu peitinho, aspirou suas narinas e boca. Pra mim tudo aquilo foi tão rápido que nem tive tempo de me assustar ou pensar que algo ruim pudesse acontecer. Não sei. Talvez por ela estar presa em mim pelo cordão umbilical, talvez pelo meu instinto materno que me dizia que tudo acabaria bem... não sei. Dias depois, conversando com minha mãe, percebi que aquele tinha sido um momento de forte tensão pra ela. Pra mim não foi. Só sei que a Gigi chorou, voltou pro meu colo e pudemos nos curtir, abraçadinhas, sentadas no chão do quarto.
E, como disse sabiamente Manu, esse sustinho que a Gigi nos deu foi para que não nos esqueçamos que a vida precisa ser celebrada sempre e que cada ser que nasce é único e especial.