terça-feira, 14 de julho de 2009

Fecho os olhos


Fecho os olhos e me imagino no campo. Pequenina e com uma cestinha vermelha na mão. Faz sol. Vejo um cavalo marrom correndo em câmara lenta. Penso que essa referência é muito brega e apago o cavalo dos meus pensamentos. Me imagino então correndo para casa, aquela casinha de madeira lá no pé da montanha. Fica num vale. E tem um rio que passa bem na frente e eu me banho lá. É frio, mas é gostoso nos dias de sol. E gosto de ir com meu maiôzinho amarelo. Tem uns meninos que pegam piabinhas e comem cruas mesmo. Aí me canso dessa história besta e tento imaginar outra coisa. Com essa música da Bjork de fundo fica difícil. Agora mesmo ela está tendo um chilique! Bom, aí fecho os olhos de novo e me lembro de uma imagem brutal que vi num filme: um garoto cego de Madagascar andando de bicicleta. Eu fiquei tão impactada por aquela cena que não posso evitá-la em minha mente. Ele passeia com uma risada sufocada, quase sem ar. Nota-se que é uma sensação forte. Tente andar de bicicleta com os olhos fechados! Me entedio com essa história de brainstorm e busco uma tacinha de vinho do porto, pra ver se me ajuda. Aproveito e acendo um cigarrinho pra acompanhar. Pronto. Vejo uma foto minha com uns seis aninhos no clube, de uniforme, perto da ducha. Quando éramos pequenos e estudávamos à tarde, minha mãe ia com a gente pro clube de manhã. Passávamos a manhã lá, sozinhos, brincando. Umas onze e meia tomávamos banho numa ducha e vestíamos o uniforme. Íamos pra casa já prontinhos. Era só almoçar e ir pra escola. Eu gostava. O parquinho, a piscina rasa, a cancha de areia... Aí me lembro do Jojo, que tinha mesmo uns seis anos na época em que o conheci. Ele é um verdadeiro personagem. Quem o conhece, sabe. Tão pequeno ao lado daquele professor, mas cheio de personalidade. Aproveito a viagem pra longe e me lembro do vendedor de sapatos da Tunísia com sua simpatia única. Lembro-me também do Nagib, o taxista mais gente boa que conheci. “Chicas, la medina por la noche, no. Cuchillo, cuchillo.” E na mesma linha tem também o beco da facada, identificado pelo velho Caza perto da estação de trem de Lisboa. É pertinho, mas melhor irmos de táxi, não? Cara, eu tenho muita história com taxista. Teve o que me botou pra fora no meio da rua, cheia de malas e com a sandália arrebentada - num dia de verão em que o asfalto pegava fogo. Que feladaputa! Putz, derramei o vinho do porto em cima das havaianas. Humpf.

segunda-feira, 13 de julho de 2009

Sabedorias de Mark Twain


"Viajar é fatal para o preconceito, a intolerância e as ideias limitadas; só por isso, muitas pessoas precisam muito viajar. Não se pode ter uma visão ampla, abrangente e generosa dos homens e das coisas vegetando num cantinho do mundo a vida inteira."

"O gentil leitor jamais imaginará o grande asno que pode vir a ser, até o dia em que viaja ao estrangeiro."

Sobre o tagarela de Plutarco


Já dizia o filósofo: sábio é o homem que bebe vinho e se mantém calado.

“É uma surdez voluntária, de homens que, suponho, censuram à natureza o fato de terem apenas uma língua, embora tenham duas orelhas.”

“Os navios apanhados pelos ventos são retirados com a ajuda de cabos e âncoras, que reduzem sua velocidade; mas, para a palavra que, por assim dizer, escapou do porto, não há nem ancoradouro nem ancoragem.”

“Do mesmo modo que o vinho, que foi inventado para o prazer e para a boa convivência, é transformado por aqueles que são forçados a bebê-lo muito e sem mistura num veneno intragável, assim também a linguagem, o mais agradável e o mais humano dos símbolos, torna-se, por aqueles que a empregam mal e negligentemente, inumana e insociável: julgando-se encantadores, eles são enfadonhos; admiráveis, eles são ridículos; amáveis, eles são desagradáveis.”

“O que está no coração do homem sóbrio está na língua do homem embriagado.E tanto o silêncio é profundo, religioso, sóbrio, quanto a embriaguez é faladeira: sendo sem inteligência e dotada de pouco espírito, por isso mesmo faz muito barulho. ”

sexta-feira, 3 de julho de 2009

O Anjo Negro


Eram amigos inseparáveis desde a infância. Com o tempo, as brincadeiras foram mudando. Abandonaram o pique-pega, as bicicletas e as pandorgas. Cigarrinhos de palha e goles de cachaça às escondidas eram mais divertidos. O pai dela emprestava o carro nos fins de semana, mas com uma condição: o amigo tinha que ir junto.

Certa vez, numa dessas deliciosas aventuras de fim de semana, se embriagaram, fumaram, dançaram, aprontaram. Já era madrugada e eles estavam voltando pra casa. Ela dirigia e eles se perderam na entrada da cidadezinha. Estavam no meio do nada, no meio do mato. Completamente embriagados, não viram o mato-burro logo em frente e caíram no buraco. Conseguiram empurrar o carro pra fora, mas o pneu estava furado. Entreolharam-se. Nenhum dos dois sabia por onde começar. Começaram a rir.

De repente, um homem alto, forte e negro surgiu, não se sabe de onde. Aproximou-se dos dois e sem dizer nenhuma palavra, começou a trocar o pneu. Deve ter levado uns quinze minutos, no máximo. Estiveram, os três, o tempo todo em silêncio. O homem terminou de trocar o pneu e seguiu, sem olhar pra trás. Desapareceu em poucos segundos. Nunca mais o viram.

Quem me contou essa história foram eles mesmos, hoje meus amigos também. E me disseram mais: que aquele homem era, sem sombra de dúvida, um anjo. Um anjo disfarçado de homem, que como veio se foi, sem deixar rastros.