terça-feira, 23 de dezembro de 2008

O sol da Tunísia

Nesse dia nos levantamos às quatro da manhã. A jornada começava rumo ao deserto. Um café da manhã reforçado e estrada. Ainda sonolenta, botei meus fones e curti o contraste música brasileira-paisagens desérticas.

O balanço do carro era quase propício ao sono, mas a beleza e o ar frio da madrugada me mantinham acordada.

Rapidamente, como é próprio dos amanheceres, o céu ia mudando de cor. Vários tons de azul iam enchendo a minha janelinha. E eu ia deixando pra trás, junto com pensamentos já esquecidos, os pequenos vilarejos e cidades, as fogueiras diante das casas, a melancolia das primeiras horas do dia.

Com uma rapidez e suavidade quase imperceptíveis, eis que nasce, diante desses olhos que a terra há de comer, o sol. Esplendoroso. Amarelo. Laranja. Gigante.

Nunca havia visto nada igual.

Não é à toa que lhe chamam Astro-Rei.

E foi através do cristal da minha pequena janelinha que fiz essa foto – que não lhe faz justiça, diga-se de passagem.


Mas, tudo bem. A viagem seguiu. E, junto com ela, as boas surpresas.

No dia seguinte, o mesmo ritual. Madrugar. Café. E estrada.

E foi então que o danado resolveu nascer entre as dunas do Saara.

Apesar do vento frio e cortante que dificultava a respiração, eu sorria.

E as lágrimas não eram de tristeza.

Eram de alegria.

O portão do Estado



O que será que tem do outro lado desse portão misterioso?

Algum palpite?

Um árabe-francês


Era uma vez um árabe-francês.

Ou seria um franco-árabe?

Não sei. Mas isso não importa.

Era uma vez... um senhor lindo e forte. Ele se parecia muito com o Alberto do filme Cinema Paradiso, sabe?

Eu, perto dele, me sentia como Totó (Salvatore), pequenina. Olhava pra ele com esse olhar de admiração e encanto que as crianças costumam ter.

Que doçura...

Era como se o conhecesse desde sempre.

Mas, diferente de Alberto, não era projetista de cinema. Era fazedor de sapatos. E vendedor.

Diferenciava-se dos outros vendedores pela serenidade. Enquanto os outros gritavam e insistiam, ele deixava escolher, olhar, tocar...

Vez ou outra contava alguma pequena história de seus tempos na Europa. Podia-se sentir o saudosismo na sua voz. Mas não era tristeza. Ele estava contente.

Ali era o seu lugar. Ele pertencia àquela gente, àquela terra.

Era feliz entre os sapatos e o cheiro do couro.

Seu nome para mim não importa mais.

Me lembro dele como o encantador...

sábado, 20 de dezembro de 2008

Saara




No meio do deserto do Saara, montada em um dromedário, vendo o sol baixar e o vento frio soprar mais e mais forte.

No meio do nada.

Num povoado pequenino em algum lugar na Tunísia.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Uma beleza que aconteceu

Era meio assim, meio sem jeito, meio tímida...

Sempre fora assim. Ninguém imaginaria uma mudança tal qual foi.

Era típica. Era necessária. Os outros tinham que ter de quem zoar.

Necessitavam um alvo. E ela era perfeita.

Perfeita para rir.

Era sem sal.

Era quase feia.

Mas o tempo passa. E o jogo vira.

O tempo havia passado.

E ela havia... sei lá. Algo aconteceu...

Estava linda, belíssima.

Parecia que aquele tempo, tão duro para alguns, lhe havia feito bem.

Estava grande.

Os ombros, que viviam pra trás, estavam erguidos. De repente.

Os olhos, antes cabisbaixos, olhavam firme.

Havia abandonado aquele velho blusão de lã. Agora levava uma fina blusinha, dessas que parecem transparentes, de tão finas.

Preto nos olhos e um sorriso, agora sem aparelho, precioso.

Era outra.

O tempo havia passado.

As coisas mudam.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Ser leve


Havia decidido ser leve. Para ser bom, tinha que ser leve.

Pouco a pouco foi se desfazendo de tudo aquilo que pesava.

Deixou pra trás muitos quilos de lembranças.

Parou de comer. Parou de beber. Parou de falar, de ouvir, de pensar.

Foi ficando leve, levinho...

E seco.

Foi desidratando, tornando-se mirrado.

Quando se deu conta, havia transformado-se em uma enorme folha de papel colorida.

Entendeu.

Dobrou-se.

Fez, de si mesmo, um balão.

Subiu... voou... foi... leve.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Numa piscina de bolinhas


Ultimamente me sinto como numa piscina de bolinhas coloridas.

Tudo ao meu redor é oco, sem recheio, sem massa.

Estou mergulhada numa multidão de vazios.

Os movimentos são limitados. Ainda que existam.

É como uma brincadeira.

Efêmera, passageira.

A variedade de cores encanta os olhos.

E, pra quem vê de fora, é ainda mais bonito.

Pra quem está dentro é divertido, mas cansa.

E você afunda, afunda...

Mas não tem problema.

A qualquer momento, você pode cair fora.

Sair dela dá um pouco de trabalho.

Você tem que apartar uns bons punhados de bolinhas vazias.

E, enquanto você aparta algumas, outras vêm pra cima, dificultando a saída.

Elas dificultam. Mas não impedem.

Qualquer um consegue sair de uma piscina de bolinhas.

Ainda que precise de uma mãozinha...

E, uma vez fora, você se dá conta de que era divertido. Mas não era tudo.

Talvez seja a hora de experimentar algo mais emocionante...

Acho que vou entrar nessa montanha-russa...


O gostoso disso tudo...

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Sudaca

Uma das primeiras palavras que aprendi quando cheguei a Madri. Sudaca. Nunca nenhum professor de espanhol me havia mencionado. O porquê está claro: é uma ofensa, uma agressão, um xingamento.

A primeira vez que ouvi, não entendi o significado. Mas não demorei pra captar a mensagem. A minha primeira impressão foi que se tratava de uma espécie de gíria usada para referir-se aos sul-americanos e ponto. Mas não. Na verdade, se trata de uma ofensa xenófoba.

Como é sabido, a Espanha, nos últimos anos, vem recebendo milhares e milhares de imigrantes, em sua maioria sul-americanos e chineses. Ok. Até aqui, tudo bem. Nenhuma novidade. O fato é que muitos espanhóis – de todas as idades, classes sociais e posicionamentos políticos – se incomodam, e muito, com o fato.

É, realmente, o ser humano tem a memória curta. Nem é preciso ir muito atrás na história. Para onde iam os espanhóis fugidos da Guerra Civil espanhola? E da ditadura franquista? Claro que podemos voltar atrás quinhentos anos... mas essa história a gente já conhece. E é longa.

Bom, voltando à palavrinha mágica. Sudaca é a maneira pejorativa que se utiliza por aqui para ofender, agredir e discriminar. Sinceramente, xingamentos há em todas as partes e em todas as línguas. Não quero fazer disso um discurso. A palavra é só uma desculpa para tocar no tema do preconceito, da xenofobia.

A discriminação é igual e todas as partes. Os motivos são sempre os mesmos: os traços físicos, a cor da pele, dos cabelos, o sotaque, o modo de vestir... O que está por fora, sempre. O de dentro pouco importa.

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Ok, você venceu.




Saudades que não estão cabendo mais em mim.

Saudade do calorzinho

da minha terra

da minha gente

da minha casa

do que é meu.

Saudade do que era meu

do que ainda é

do que sempre será.


Saudade de dizer eu te amo

de dizer... "ai, que saudade".

Saudade de poder sentir saudade

em paz

em silêncio

Ok, saudade, você venceu.

Quero uma porção de batatas fritas.