segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Velho Bucáusque


Ele se chamava Bucáusque, ou pelo menos era assim conhecido por todos. Vivia no subúrbio do Rio. Freqüentava os sambas de roda, os prostíbulos, os botecos, as delegacias de polícia, as rinhas de galo, o Maracanã.

Era flamengo e gostava de ouvir a Elza Soares cantar. Dizia que era a Ella Fitzgerald brasileira.

Tinha um temperamento bastante estável – estava sempre de mau humor. Gostava de debochar do romantismo e se dizia totalmente cético em relação ao amor ao próximo.

Normalmente tomava porres fenomenais e ia acompanhado para a casa. Seu jeito cafajeste e estúpido atraía as mulheres. Raramente tinha que pagar para dormir acompanhado. Elas se divertiam com seu humor cínico e rabugento. E se iludiam com a possibilidade de virar musa de algum poema. Em vão, sempre.

No dia seguinte, como de costume, se levantava e abria uma cerveja. Não era nada atencioso. As tratava mal para que fossem embora logo. Ficava puto consigo mesmo pelo fato de haver uma mulher na sua cama. Em geral, não se lembrava do que havia acontecido na noite anterior. Se ao menos se lembrasse...

Assim seguia. As despachava sem grandes rodeios e se sentava em frente à sua antiga máquina de escrever. Era o seu maior bem, depois da geladeira, é claro.

Não tinha muito, não precisava de muito. Bastavam alguns pacotes de miojo no armário e algumas garrafas de bebidas variadas. Gostava de seu estilo de vida e se auto-descrevia como um pessoa simples e despretensiosa.

Era poeta. Não era uma pessoa preocupada com os problemas sociais nem com a solidariedade entre os homens. Estava mais ocupado em se manter sob o efeito do álcool e comer algo, vez ou outra – para poder seguir bebendo.

Fazia pequenos bicos e publicava poemas num jornaleco da região. Mas sua principal fonte de renda eram as apostas. Apostava sempre e, pra falar a verdade, tinha um bom faro.

Sempre comparava as rinhas de galo ao futebol. Acreditava que esses eram os dois maiores espetáculos que o homem havia inventado. E que, observando de perto, eram a metáfora perfeita do ser humano moderno.

Tudo não passava de uma luta tola e vã por sobreviver e ser melhor que os outros.

Dizia que a vida lhe havia ensinado que o amor, como qualquer outro sentimento, é passageiro e tem prazo de validade. Mas reconhecia que se tornava profundamente incoerente quando apaixonado. Era capaz até de ver beleza onde não havia.

Sua poesia servia como cano de descarga. Era uma maneira de expressar todo seu rancor e sua descrença em relação à “magia” da vida. Sempre acreditou que, apesar de termos polegar opositor, não passamos de animais selvagens num mundo idiotizado pela televisão. Batalhando por sucessos e reconhecimentos sem valor.

Sempre preferiu os maus aos bons. O errado. O sujo. A loucura. O equívoco. O feio.

3 comentários:

Bernardo disse...

Linda foto.
Bela homenagem ao velho capitão safado.

Anita disse...

Linda, a gente precisa conversar muito sobre o Bukowski!

Passei por uma fase muito intensa com os escritosdesse safado por aqui... Escrevi até um trabalho sobre ele!

Depois te mando!

Te amo.
Saudades!!

Anita disse...

Linda!

Como eu não tinha lido isso antes?? Eu vivi um romance cósmico com o safado do Bukowski aqui em Nova Iorque!

Escrevi até um trabalho sobre ele. Adoro.
Comprei Women e The Post Office no ano passado e devorei.

Como ele é subversivo...

Adoro e adorei!
E essas garrafas... quem as bebeu fomos nós!!

:o)

Beijos, amada!